Título: Dissensões no comando tucano
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2006, Notas e Informações, p. A3

Fazendo uma analogia com a disputa pelo Planalto, decerto ao gosto do presidente Lula, é verdade, como dizia o lendário dirigente corintiano Vicente Matheus, que o jogo só acaba quando termina. E é verdade, também, que, apesar do amplo favoritismo do presidente-candidato, ainda é perfeitamente possível que não se confirme seu próprio prognóstico de vitória certa no primeiro turno de outubro. Mas, diferentemente do que às vezes acontece no futebol, as reviravoltas eleitorais não são fruto do acaso - devem ser construídas pelos candidatos e os seus aliados, entre outros materiais, com sensibilidade política, posições firmes e competência não só para aproveitar os eventuais erros táticos do adversário, como, principalmente, para não passar inadvertidamente ao eleitor mensagens capazes de ser exploradas por ele.

Em todos esses quesitos, a campanha do oposicionista Geraldo Alckmin deixa a desejar. Três fatos amplamente divulgados nos jornais de ontem indicam claramente desnorteamento, insensibilidade política e incoerência no comando tucano. Começa pelo próprio presidenciável. Querendo, mas aparentemente sem saber como, elevar o tom de suas críticas ao candidato à reeleição, Alckmin o chamou na segunda-feira de "exterminador de empregos". Mais ou menos na mesma hora, a mídia noticiava que a geração de empregos com carteira assinada cresceu em julho 31% a mais do que no mesmo mês de 2005. A infeliz coincidência ainda é o menor dos males. O erro maior é recorrer ao tema do emprego como arma contra Lula.

Isso porque o eleitor sabe, talvez até por experiência própria, que a oferta de trabalho no Brasil de hoje é muito maior do que há quatro anos. Em conseqüência, declarar que o emprego diminuiu - a intenção de Alckmin era dizer que podia ter aumentado mais - é um motivo para esse eleitor desconfiar de tudo mais que o candidato diga do seu oponente. Mesmo quando tiver motivos substanciais para atacá-lo, como ao ressaltar o seu despreparo e a sua inapetência pelo trabalho de governar, ou, acima de tudo, a flexibilidade da sua ética política, fartamente revelada no seu convívio, para dizer o menos, com a "sofisticada organização criminosa" denunciada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.

Quando o assunto é corrupção, ou os "erros de alguns companheiros", a que Lula pretende reduzir o megaescândalo do valerioduto, ele se exibe invariavelmente nas vestes de vítima de uma conspiração das elites e da mídia, que teria sido muito mais "condescendente" com os outros presidentes do que com ele, como disse, anteontem à noite no Rio, numa reunião com artistas. Por coincidência, de novo mais ou menos na mesma hora, o ex-presidente Fernando Henrique, numa palestra em São Paulo, não apenas exumava a idéia de que Lula merecera o impeachment, mas também lamentava que não existisse atualmente alguém no País como Carlos Lacerda - "com capacidade de dramatizar e cobrar". "Alguém que dê nome aos bois e se arrisque."

Talvez um tribuno como Lacerda pudesse galvanizar a opinião pública contra Lula, e talvez tivesse conseguido que ele fosse processado por crime de responsabilidade quando o seu marqueteiro Duda Mendonça revelou à CPI dos Correios que o PT pagou por seus serviços com dinheiro de caixa 2 numa conta no exterior que precisou abrir para esse fim. Mas isso foi há um ano - e se então a oposição errou ao poupar Lula, achando, quem sabe, que ele tinha se transformado no proverbial pato manco, pior para ela. Tudo que Lula agora poderia querer - e que Alckmin não poderia querer - é que Fernando Henrique, logo ele, aparecesse no noticiário falando da sua destituição. Mas o pior é que, ao dizer o que disse, no tom em que disse, Fernando Henrique estava criticando, sem nenhuma sutileza, a tática do candidato tucano de não atacar diretamente o candidato petista, expondo, assim, publicamente, as dissensões que lavram nas hostes tucanas.

Não bastasse tudo isso, na segunda-feira, o candidato da sigla à reeleição no Ceará, Lúcio Alcântara, não apenas deixou Alckmin de fora do seu programa, como nele incluiu Lula, chegando a pôr no ar um áudio em que o presidente o chama de "companheiro". Pelo visto, uma virada nesse jogo só será possível se o favorito cometer mais erros do que seu principal adversário.