Título: A crise da segurança pública
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/07/2006, Notas e Informações, p. A3

São Paulo é hoje o Estado que mais prende, condena e encarcera, no País. Nos últimos cinco anos, a população carcerária estadual dobrou, passando de 67,6 mil para 143,3 mil presos. Só no primeiro semestre de 2006, ingressaram nas 144 unidades do sistema prisional paulista 4,8 mil presos, o equivalente a 800 por mês ou a 1 novo detento por hora.

Estes números dão a dimensão da crise da segurança pública no Estado e ajudam a entender a audácia do Primeiro Comando da Capital (PCC), cuja origem é atribuída à superpopulação do sistema prisional. Embora o governo estadual deva criar 17 mil novas vagas até dezembro, ao longo dos últimos dez anos o número de presos cresceu num ritmo mais acelerado do que o da expansão do número de prisões. Atualmente, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), as prisões paulistas têm "lotação" de 92.865 presos, mas abrigam 125.804 em condições degradantes.

"Ou tentamos reatualizar a política criminal ou vamos chegar a um ponto em que teremos de suportar um aumento de impostos para sustentar esse número de presos", afirma o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Sérgio Mazina. "É evidente que não há recursos nem capacidade para construir presídios e treinar agentes no ritmo das prisões feitas pela polícia. A conclusão lógica é a necessidade de encontrar medidas alternativas à detenção", diz o sociólogo Paulo Mesquita Neto, do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Essa é a chave para enquadrar o PCC, cuja força decorre das condições desumanas em que vivem os detentos em São Paulo, e desarmar a imensa bomba em que se converteu o sistema prisional brasileiro, que hoje tem um déficit de 135 mil vagas. E, pelas estatísticas do Depen, esse número pode chegar a 270 mil em 2007, caso a política criminal vigente, que sempre privilegiou mais as estratégias de encarceramento do que programas de recuperação de criminosos ou aplicação de penas alternativas, não for mudada. "Teríamos de construir 100 presídios por mês até 2007, com capacidade média para 700 detentos, só para suprir o déficit mensal de vagas", afirmou o diretor do Depen, Maurício Kuehne, em 2005, ao divulgar as últimas estatísticas da população carcerária.

Uma das vantagens das penas alternativas está no seu potencial pedagógico, pois elas permitem a ressocialização dos condenados não reincidentes. Como podem continuar morando com a família, sob acompanhamento de psicólogos, eles readquirem senso de responsabilidade por seus atos. E, por não terem contato com bandidos perigosos, não são convertidos em "soldados" do PCC. Além de desafogar as prisões, as penas alternativas ajudam a reduzir a criminalidade. Em São Paulo, só 1% dos condenados a penas de prestação de serviço volta a delinqüir. Entre os egressos das prisões, o índice é de quase 80%.

Mas, apesar dessas vantagens, as penas alternativas têm sido pouco utilizadas. Os juízes receiam aplicá-las, pois os governos estaduais não criaram mecanismos para vigiar o comportamento dos condenados que prestam serviços comunitários. Além disso, em vez de valorizar projetos destinados a descongestionar o sistema prisional, o Congresso fez o inverso. Em 1997, o porte ilegal de arma passou de simples contravenção para crime com pena de prisão. Delitos de trânsito passaram a ser punidos com prisão. E a Lei dos Crimes Hediondos, que nega o benefício do regime da progressão, veio sendo alargada em seu alcance. Atualmente, quase metade dos presos paulistas está condenada por crimes hediondos, sem possibilidade de serem beneficiados por penas alternativas.

É por isso que o sistema prisional entrou em colapso e o Estado perdeu seu controle para facções criminosas. Como o poder público não dispõe de recursos para construir prisões no mesmo ritmo das condenações judiciais e como só o descongestionamento do sistema prisional pode levar as autoridades a derrotar e isolar o PCC, a solução da crise de segurança requer a substituição das políticas de endurecimento penal e aprisionamento pela disseminação das penas alternativas para autores de crime de menor gravidade e uma urgente reformulação da legislação. Enquanto o Executivo e o Legislativo não fizerem o que precisa ser feito, a ordem estabelecida e o princípio da autoridade continuarão periclitantes.