Título: Avanço no saneamento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/07/2006, Notas e Informações, p. A3

A surpreendente rapidez do Senado na aprovação do projeto de lei que estabelece o marco regulatório para o setor de saneamento básico, o que ocorreu um dia depois de o texto ter sido aprovado por unanimidade pela comissão mista do Congresso que o examinou, justifica o entusiasmo gerado entre o empresariado do setor e membros do governo.

O projeto ainda deve passar pela Câmara, mas a decisão do Senado representa um avanço inegável no tratamento de uma questão cuja importância está no fato de o estabelecimento de regras claras para o saneamento básico ser essencial para a retomada dos investimentos necessários para levar água encanada e serviços de coleta de esgoto a toda a população.

Faz 20 anos que esse tema é debatido, o atual governo comprometeu-se a resolvê-lo, havia dois projetos em tramitação no Congresso, mas nada avançava. O atraso na tramitação desses projetos irritava o empresariado, que quer investir mas teme fazê-lo sem conhecer previamente as regras, e o governo, que não pode mais investir no ritmo necessário e, por isso, espera com ansiedade os investimentos privados.

Os dois projetos foram fundidos, eliminando-se os pontos de conflitos entre eles. Mesmo assim, foi necessária uma longa reunião, na segunda-feira, para que governo e congressistas afinal concordassem em deixar para o Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão sobre a questão que emperrava as discussões: a da titularidade dos serviços.

No entendimento do governo federal, a titularidade dos serviços de saneamento básico é dos municípios. Esta é também a interpretação de parte do empresariado. Mas as empresas de saneamento básico estaduais, reunidas numa associação, a Aesbe, discordam dela. Sem acordo sobre essa questão, a comissão mista do Congresso vinha retardando a votação do relatório elaborado pelo deputado Júlio Lopes (PP-RJ).

A solução encontrada, e que permitiu a aprovação do relatório de Lopes, foi atribuir obrigações e direitos "ao detentor da titularidade" dos serviços, mas sem especificá-lo. A questão será decidida pelo STF, que, dentro de pouco tempo, deverá concluir o julgamento de um processo no qual será definido o detentor da titularidade. Dois ministros do STF já votaram e, na avaliação de deputados e senadores, a decisão final deverá ser favorável aos municípios.

Outro ponto que vinha retardando a votação, a intenção do governo de manter amplo poder de decisão sobre o setor por meio do Sistema Nacional de Saneamento e por isso era contestado por empresas privadas e pela oposição, acabou sendo retirado do projeto.

Por causa da escassez de investimentos, tem sido lenta a expansão da rede de água e esgotos no País. Pesquisas mais recentes mostram que, na área urbana, 18 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e encanada e 83 milhões não dispõem de esgotamento sanitário. O governo insiste em que, até 2015, será possível reduzir pela metade o déficit na área de saneamento básico, como propõe a ONU. Mas outra meta, a de universalização dos serviços de água encanada e esgoto, ou seja, o atendimento de todos os domicílios urbanos, dificilmente será alcançada até 2020, como quer o governo.

Para essa universalização, de acordo com o governo, seriam necessários investimentos anuais correspondentes a 0,63% do PIB em saneamento básico, mas a média observada ao longo do governo Lula é de apenas 0,19% do PIB, de acordo com a Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib). Como o setor público não tem condições de realizar os investimentos necessários, a entrada da iniciativa privada no setor é essencial.

Mas, apesar do entusiasmo causado pela aprovação do projeto pelo Senado, os investimentos só surgirão depois que o novo marco regulatório for efetivamente aprovado, o que depende de votação no plenário da Câmara. O ritmo de trabalho do Congresso dos últimos meses não permite que se tenha muita esperança de que o projeto seja votado com a rapidez necessária . O início efetivo da campanha eleitoral, na qual os congressistas estarão envolvidos, torna ainda menos provável que o projeto seja votado logo. Quem perde com o atraso na definição do novo marco regulatório para o saneamento básico é a faixa mais desprotegida da população.