Título: A ex-superpotência renasce
Autor: Walter Mayr, Christian Neef
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/07/2006, Internacional, p. A18

Os chefes de Estado das principais economias capitalistas do mundo se encontraram ontem no Palácio Constantino, nos arredores de São Petersburgo. Esta é a primeira vez que uma reunião de cúpula do Grupo dos Oito, G-8 (os sete países mais ricos - Estados Unidos, Japão, Itália, Canadá, Grã-Bretanha, França, Alemanha - e a Rússia), está sendo presidida por um ex-oficial da KGB.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, deve estar satisfeito. O palácio sofisticado, construído pelo grão-duque Constantino, foi reformado ao custo de US$ 280 milhões. Vinte novas mansões suntuosas e equipadas com saunas e piscinas foram construídas nas proximidades para alojarem os importantes convidados que estão participando da conferência do G-8.

O aeroporto da cidade foi fechado para a aviação civil durante três dias. Cães extraviados e ratos estão sendo retirados do centro da cidade. Cinco mil sem-teto foram cadastrados para que pudessem ser expedidos para a zona rural. O presidente planeja usar a reunião na sua cidade natal como um palco para alardear o que acredita serem os pontos fortes da Rússia - administração firme, autoconfiança e um vigor renovado.

CHEGA DE FICAR EM 2º PLANO

A elite política de Moscou vem martelando uma nova mensagem na cabeça de seus convidados de todo o mundo, uma mensagem que já foi absorvida pelo próprio país - a Rússia, renascida das cinzas da União Soviética e recém-banhada em receitas do petróleo e do gás que estão na casa dos bilhões de dólares, não se sente mais compelida a ficar em segundo plano diante das principais potências mundiais. A recém-descoberta autoconfiança da Rússia deriva principalmente da percepção de que a vasta nação, que se estende do Báltico ao Pacífico, já "é uma potência global há vários anos quando se trata de crescimento econômico", como anunciou Putin depois do feriado nacional de 12 de junho. Seus sentimentos ecoaram as cantorias de um novo movimento juvenil nacional, o Nashi (Nosso): "A Rússia sempre foi e sempre será uma superpotência."

Estimulado pelos comentários, mesmo o geralmente comedido ministro da Economia, German Gref, deu para falar em superlativos nacionalistas. Segundo Gref, o Fórum Econômico Mundial, uma data verdadeiramente essencial para os responsáveis por tomar de decisões, tem de ser realizado na Rússia no futuro. "Afinal, o que é Davos? Um vilarejo da Suíça. São Petersburgo é a cidade mais bonita do mundo."

Boa parte da retórica venenosa da Rússia que, no momento, está sendo lançada na direção do Ocidente, não é necessariamente errada simplesmente porque está sendo recebida com tanto desgosto na União Européia e nos EUA. A alegação de que o Ocidente emprega o que Putin chama de "padrão duplo" no seu trato com a Rússia ocasionalmente repercute em outras partes do mundo, por exemplo, na China, na América Latina e nos Estados árabes. Mas a nova Rússia adotou um tom excessivamente vigoroso, turbulento, na véspera da conferência de cúpula do G-8, o tempo todo fazendo campanha em favor do seu direito de integrar o mesmo clube que critica tão veementemente. É como se um total rejeitado na escola de repente decidisse convidar para sua casa as crianças mais populares da sua turma, mas somente com a condição de que elas apreciassem a honraria que lhes foi concedida.

SUPRIMENTOS DE ENERGIA

O tema central dessa reunião do G-8 é petróleo e gás natural. O Ocidente está bem consciente de que a Rússia é agora uma agente-chave quando se trata de energia. Os domínios de Putin têm as maiores reservas de gás natural do mundo, e a Gazprom, a fornecedora de gás monopolística do país, já é a terceira maior do globo. A Rússia só perde para a Arábia Saudita na produção de petróleo.

O presidente George W. Bush, o primeiro e até agora o único político que, ao fitar os olhos azul pálido de Putin, ficou convencido que tinha descoberto a "alma" do presidente russo, tem duas opções em São Petersburgo - repetir a atitude brusca adotada pelo vice-presidente Dick Cheney ou observar as normas diplomáticas.

Durante uma visita à capital da Lituânia, Vilna, no início de maio, Cheney fez o ataque " mais áspero à Rússia feito por um líder americano desde o fim da Guerra Fria", como noticiaram os jornais. "Nenhum interesse legítimo é atendido quanto o petróleo e o gás se tornam instrumentos de intimidação e chantagem", disse Cheney num comentário direcionado à Rússia que, há quatro meses , fez com que Gazprom, que é controlada pelo Estado, suspendesse o fornecimento de gás natural para a vizinha Ucrânia - uma resposta à recusa do governo ucraniano em aceitar uma alta substancial no preço.

Putin, agora no seu sétimo ano de presidência, é claramente o arquiteto do novo Estado russo. Ainda mais óbvio é o fato de que a política relativa à energia é o fundamento sobre o qual ele baseia seu plano de construção. Ele chama o setor de recursos naturais seu "santo dos santos", o cerne da sua estratégia para fazer a a Rússia retomar seu lugar entre as potências mundiais.