Título: A reforma de Lula que não valeu
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/07/2006, Economia, p. B2

Entra governo, sai governo e a situação da Previdência só se tem agravado, o déficit cresce como bola-de-neve e engole cada vez mais receita dos orçamentos da União, dos Estados e municípios, tirando verbas de outras áreas sociais e de serviços públicos prestados à população. O déficit do INSS vai fechar este ano em R$ 44 bilhões e o da Previdência pública somou, em 2005, R$ 68,5 bilhões - R$ 38,4 bilhões da União, R$ 25,1 bilhões dos Estados e R$ 5 bilhões dos municípios. São números chocantes que há muito fazem piscar a luz vermelha, cada vez mais forte a cada ano. Os dois últimos presidentes fizeram reformas meia-sola, que não resolveram o problema - FHC criou o fator previdenciário, que só fez retardar aposentadorias regidas pelo INSS, e a reforma de Lula não valeu, porque não foi constituído o fundo de pensão para o servidor público complementar seu benefício além do limite do teto do INSS.

O secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, explicou à repórter Vania Cristino, do Estado, que foram dois os motivos que levaram o governo a não criar o fundo de pensão: 1) Implicaria imediata elevação dos gastos públicos; 2) o Poder Judiciário foi contra criar um fundo de pensão único para os três Poderes e queria um separado para seus servidores. Desculpa esfarrapada que não explica nada e esconde a razão verdadeira: o governo Lula preferiu não desagradar à base sindical do funcionalismo público. Como sempre, o interesse político prevalece e quem padece é a população, que paga impostos.

Pela reforma aprovada em 2003, o servidor que já está na ativa não tem perdas, porque continua se aposentando pelo sistema pré-reforma. As novas regras - aposentadoria limitada ao teto do INSS e complementada pelo fundo de pensão, como em empresas estatais - valem apenas para os que vierem a ingressar no serviço público. Ou seja, é nulo o custo político de Lula, porque respeita os direitos adquiridos dos antigos e os novos entram conhecendo as novas regras. Mesmo assim, o governo preferiu não arriscar. Desde 2003 foi adiando, adiando e, agora, em ano eleitoral, não quer nem ouvir falar no assunto.

Mas por que é falsa a desculpa do governo para não criar o fundo? O ex-ministro da Previdência José Cechin tem a resposta. Ele fez uma simulação do custo de transição do sistema antigo para o novo, ao longo de 30 anos de vida ativa do novo servidor, e concluiu que o gasto adicional do governo no primeiro ano é de apenas R$ 100 milhões, crescendo lentamente nos anos seguintes até chegar ao pico de R$ 1,6 bilhão, no 22º ano, para depois cair também devagar até equilibrar, quando os primeiros servidores começarem a se aposentar. ¿O custo fiscal não é razão para não criar o fundo¿, contesta Cechin.

A segunda desculpa - o Judiciário quer seu próprio fundo separado do Executivo e do Legislativo - não tem a menor procedência. Um fundo único para os três Poderes, de poder financeiro gigantesco, já nasceria com a desvantagem de gerar cobiça e disputa política pela gestão, adverte o ex-ministro. ¿Por que razão não permitir que o Judiciário tenha seu próprio fundo? Seus 80 mil funcionários constituem escala mais que suficiente, certamente seria o segundo maior fundo de pensão do País.¿ Ao contrário do que alega o secretário do Planejamento, até para evitar atritos e disputas políticas que costumam atrapalhar e emperrar decisões em Brasília, seria muito saudável criar um fundo para o Executivo, outro para o Legislativo e um terceiro para o Judiciário.

¿Não vejo nenhum argumento relevante que justifique a paralisia do governo no caso¿, constata José Cechin.

A grande vantagem em completar essa reforma é reduzir gradativamente até zerar o elevado déficit com pagamento de aposentadorias aos servidores. Hoje gigante, o desequilíbrio financeiro desapareceria com o tempo e o problema seria definitivamente resolvido. O governo central dando a partida, os governos estaduais e as prefeituras vêm a reboque. Agora, adiar uma solução que não traz perdas sociais e contribui para equilibrar as contas públicas, por motivos políticos pequenos, é prejudicar o interesse coletivo. Por isso a carga tributária no Brasil é altíssima e pune os brasileiros. Os governantes administram com visão de curto prazo, de olho na próxima eleição e desprezo pelo futuro da população.