Título: O polêmico Hugo Chávez estréia como sócio pleno do Mercosul
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/07/2006, Economia, p. B11

Pela primeira vez desde sua criação, em 1991, o Mercosul terá uma cúpula ordinária de presidentes - realizada a cada seis meses - com a participação de um novo sócio. O quarteto original, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, será acompanhado do quinto sócio pleno, a Venezuela, recentemente confirmado em uma reunião extraordinária realizada em Caracas.

No desembarque da Venezuela no bloco do Cone Sul, começará a participar de forma ativa nas reuniões de cúpula o presidente Hugo Chávez. A estréia do líder venezuelano será na cidade argentina de Córdoba nos dias 20 e 21. Inicialmente, a oficialização da adesão da Venezuela seria feita em Córdoba. A antecipação foi pedida pelo próprio Chávez, que queria fazer da cerimônia mais um ato triunfal. No seu território.

A entrada do tenente-coronel que se transformou no presidente da maior potência petrolífera da América Latina promete ser polêmica.

Vários setores aplaudem a chegada da Venezuela, enquanto outros afirmam que o Mercosul está se metendo em problemas com a entrada de um líder "populista e briguento".

Por um lado, Chávez desembarca no Mercosul como um salva-vidas financeiro para a Argentina, de quem comprou US$ 3 bilhões em títulos da dívida ao longo do último ano. Há poucos dias, Chávez prometeu começar a também a comprar bônus paraguaios. Além disso, Chávez conta com o grande poder de sedução de ser a maior fonte de petróleo da região (e a segunda maior de gás).

De quebra, os produtos venezuelanos não constituem um grave perigo para as indústrias ou para o setor agrícola dos quatro países fundadores do Mercosul. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai mantêm folgado superávit comercial com a Venezuela, que absorve seus produtos como uma esponja.

No entanto, o presidente venezuelano também é fonte de potenciais dores de cabeça para o bloco. Segundo o Centro de Estudos Nueva Mayoría, a presença da Venezuela no Mercosul "torna impossível uma eventual negociação do grupo com os Estados Unidos, complica a já difícil a negociação que está sendo costurada com a União Européia (UE), e limita as chances de assinar acordos de livre comércio com qualquer outro país da região".

Em debate organizado pela Associação Cristã de Lideranças Empresariais, o tom foi predominantemente pessimista. Na reunião, o ex-embaixador Carlos Pérez Llana sustentou que a Venezuela "usa o Mercosul para enfrentar-se com os EUA com mais massa crítica".

O Centro Nueva Mayoria, porém, também destaca que a entrada da Venezuela poderá acalmar o Paraguai e o Uruguai, os sócios pequenos do Mercosul, que reclamam das assimetriais comerciais com os grandes e ameaçam assinar acordos de livre comércio com o EUA, passando por cima do Mercosul.

PAZ COMERCIAL

Os clássicos conflitos comerciais entre Brasil e Argentina, pela primeira vez desde 1998 - ano em que houve um recorde no comércio intra-Mercosul, de US$ 40,07 bilhões -, não serão os protagonistas de uma cúpula presidencial do bloco. Os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner mantêm desde o início do ano um idílio poucas vezes visto.

Ao mesmo tempo, nunca antes o Mercosul registrou tantos conflitos de Brasil e Argentina com os de outros sócios (Uruguai e Paraguai) e de associados (Chile e Bolívia). O leque de brigas é amplo e abrange preço do gás e da gasolina, assimetrias comerciais, ameaças de acordos bilaterais por fora do Mercosul e fábricas de celulose.

Segundo os analistas, a criação do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) serviu de válvula de escape para os atritos entre os dois "grandes". O sistema estabelece que um setor empresarial da Argentina que se considere atingido por uma eventual invasão de produtos possa pedir proteção contra o Brasil (ou vice-versa).

Os dois países, as "locomotivas" do Mercosul têm motivos para celebrar. A recuperação econômica dos dois lados da fronteira deixou enterrada no passado a queda abrupta no comércio intra-Mercosul a partir de 1998, que levou o intercâmbio entre os quatro sócios a US$ 20,3 bilhões em 2002, segundo a Chancelaria argentina. No ano passado, o comércio do bloco alcançou US$ 39,09 bilhões.

Para o secretário de Relações Econômicas Internacionais da Chancelaria argentina, Alfredo Chiaradía, a marca de 2008 deve ser ultrapassada ainda em 2006 ou 2007."

O ex-secretário argentino de Indústria Dante Sica destaca que a fase aguda da "invasão" de produtos brasileiros já passou. "As maiores reclamações argentinas ocorreram em 2004, quando o déficit com o Brasil foi de US$ 1,78 bilhão. Naquela época, parecia que íamos à guerra com o Brasil. Neste ano, em que o déficit poderá chegar a US$ 4,4 bilhões, quase não há reclamações."

Os analistas calculam que o período de paz comercial entre Brasil e Argentina vai durar enquanto a economia dos dois países crescer. Além disso, Kirchner não pretende criar problemas para Lula durante a campanha eleitoral. E Lula não criaria inconvenientes para Kirchner durante a campanha para sua reeleição, no ano que vem.