Título: Agências reguladoras - a reforma possível
Autor: Josef Barat
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2006, Economia, p. B2

Há muito tempo não se tem grandeza e visão de futuro para promover a necessária reforma do Estado brasileiro. Seu escopo transcende a visão mesquinha que a Nação adquiriu de si mesma nestas longas décadas de estagnação. Apesar disso, houve avanços importantes e um deles foi a criação das agências reguladoras, voltadas para a normatização, controle e fiscalização tanto das concessões e parcerias nos serviços públicos quanto das atividades produtivas de interesse coletivo. Em razão da crise fiscal e das dificuldades financeiras e gerenciais dos entes estatais, não há dúvida de que foi saudável a criação de um ambiente mais competitivo, mediante o estímulo à inovação técnica e de gestão dos serviços públicos.

A criação das agências reguladoras obedeceu ao imperativo de uma nova realidade social e política. Levou à diluição do papel da administração pública na prestação exclusiva ou principal dos serviços públicos. Nos casos de concessão para a exploração privada, coube ao poder público atuar preferencialmente no gerenciamento de recursos e na função de controle. Isso permitiu, ainda, concentrar o foco nas definições estratégicas e políticas públicas. Coube, assim, tanto às concessionárias de serviços públicos quanto às atividades produtivas sujeitas à regulação cumprirem metas de investimentos e/ou compromissos de desempenho e qualidade, além de inovações nos processos produtivos, estabelecidos contratualmente ou por legislação específica.

Assim, o âmago da questão das privatizações de serviços públicos foi o da reforma do Estado. Seria necessário criar instituições públicas autônomas, na forma de autarquias especiais, capazes de regular as ações das concessionárias e defender o interesse público. Ou seja, o objetivo foi o de criar uma base institucional que permitisse regular a prestação dos serviços em termos de segurança, modicidade das tarifas, qualidade dos serviços e amplo acesso das pessoas aos seus benefícios, além dos controles às atividades econômicas relacionadas com a saúde pública. A grande inovação foi a de conferir às agências reguladoras, pela natureza de autarquia especial, a condição de independência administrativa, autonomia financeira, ausência de subordinação hierárquica e mandato fixo de dirigentes. Ficou claro, portanto, o caráter de organização pública de Estado, com ampla independência no exercício do poder de regulação.

Mesmo sob a exploração de terceiros, os serviços públicos são de responsabilidade última do Estado. Por isso são necessários regulamentos, normas, mecanismos de fiscalização e controle, bem como a monitoração permanente de desempenho e resultados. Obviamente, a maior abrangência dos regulamentos e mecanismos é função da maior essencialidade do serviço. Além disso, como os interesses de governo, concessionárias, fabricantes e consumidores são, com freqüência, divergentes, cabe a uma instituição pública com ampla representatividade arbitrá-los com independência e credibilidade perante os atores envolvidos.

Em razão da essencialidade, a regulação dos serviços públicos concedidos implica: a) garantir o acesso a determinados segmentos sociais, quando não atendidos pelo mercado; b) garantir o compartilhamento dos ganhos de produtividade e economias de escala; c) impedir restrições da oferta e elevação de preços, estimulando o acesso de competidores; d) coibir ou reduzir os efeitos das ¿externalidades¿, quando o bem-estar é adversamente afetado pelas ações do agente privado; e) proteger os consumidores das assimetrias ou deficiências da informação, evitando situações de desigualdade de direitos; e f) proteger os consumidores da competição predatória, quando preços de mercado forem insuficientes para cobrir custos e assegurar os investimentos futuros.

São muitos os desafios da regulação. É importante que se adote, no novo modelo institucional, a idéia de compartilhar responsabilidades entre governo, sociedade e empresas concessionárias ou parceiras. Num moderno contexto de regulação autônoma e gestão inteligente de sistemas complexos, cabe às empresas e à sociedade ter uma participação mais ativa nas tarefas de planejamento estratégico e estabelecimento de metas setoriais. Com isso, se poderá superar a tradicional atitude passiva e reativa às decisões impostas pelo Executivo. E, sobretudo, não se deve gerar desproteção ao consumidor, nem constrangimento e insegurança aos potenciais investidores em virtude da persistente instabilidade nas regras do jogo.