Título: Com o cessar-fogo, começa nova fase de desafios na região
Autor: Steven Erlanger
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2006, Internacional, p. A21

Parado diante de prédios arrasados nos subúrbios maltratados do sul de Beirute, um dos dois ministros do Hezbollah no gabinete libanês, Hassan Fadlallah, afirmou na segunda-feira que o Hezbollah havia alcançado "uma vitória divina" no conflito com Israel.

Uma das questões cruciais a ser respondida por esse conflito estava nitidamente refletida no cenário em ruínas escolhido por Fadlallah. Os libaneses comuns concordarão com ele, ou no fim das contas acabarão culpando o Hezbollah por atacar Israel e com isso provocar a destruição de tantos prédios, estradas, pontes e vidas?

Para alguns, na resposta a essa pergunta reside o destino do cessar-fogo - e de um governo libanês fraco.

Por enquanto, o Hezbollah está banhado numa luz heróica, não só no Líbano, mas em todo o mundo muçulmano. O primeiro-ministro libanês, Fuad Siniora, parece incapaz ou não disposto a forçar a questão do desarmamento do Hezbollah, ao menos no sul, como pede a resolução do Conselho de Segurança da ONU que sustou o combate.

O líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, disse num discurso na televisão que seus combatentes aceitariam o cessar-fogo, mas insistiu que o Hezbollah continuaria lutando em violação do cessar-fogo enquanto tropas israelenses permanecessem em solo libanês.

E se o Hezbollah pretende permitir que seus combatentes sejam banidos do reino que construiu para si no sul do Líbano, com a ajuda generosa de Irã e Síria, é outra questão em aberto. O Conselho de Segurança parece ter feito o melhor que podia para promover os interesses do Líbano e diminuir o controle do Hezbollah sobre a faixa do país entre o Rio Litani e a fronteira israelense.

Mas o conselho já aprovou resoluções de largo alcance sobre o Líbano anteriormente - em particular a Resolução 1.559, de setembro de 2004, que pedia o desmantelamento da força de combate do Hezbollah e de todas as outras milícias, e a extensão do controle do governo libanês sobre o país todo.

Essa resolução não teve mecanismo de implementação e foi, em grande parte, ignorada.

Depois de 34 dias de guerra, a mais recente resolução, 1.701, repete os objetivos da 1.559, mas lhes confere mais impacto, incluindo uma força mais robusta, de 15 mil soldados, da ONU que supostamente patrulhará uma zona desmilitarizada específica no sul do país e ajudará o governo a monitorar suas fronteiras, assegurando que Irã e Síria não reabasteçam o Hezbollah com foguetes, mísseis e munição.

Qual será a eficácia disso? E quais soldados estarão envolvidos? Quando eles chegarão? E essa força estará disposta a confrontar o Hezbollah? Ou, como muitos israelenses temem, permitirá que o Hezbollah permaneça sem entraves no sul do Líbano desde que a fronteira pareça calma?

Como sempre, o verdadeiro teste não está na resolução, mas na sua aplicação, e não faltam razões para o ceticismo. Se este se mostrar justificado, por quanto tempo Israel permanecerá parado assistindo ao rearmamento do Hezbollah em violação da resolução?

Para Israel, sua segunda linha de defesa é, em poucas palavras, o efeito dos danos que causou ao Líbano e ao próprio Hezbollah no último mês. O Hezbollah ainda está de pé e foi capaz de disparar mais de 200 mísseis no último dia antes do cessar-fogo, e Nasrallah sobreviveu. Mas o Hezbollah tem mantido segredo sobre suas perdas, e embora negue as alegações israelenses de que 500 de seus combatentes foram mortos e 80% de seus foguetes de médio e longo alcance destruídos, é quase certo que ele foi atingido mais duramente do que está disposto a admitir.

Por isso é improvável que ele queira testar Israel de novo por algum tempo, e o governo do Líbano e a maioria de seu povo, que não são xiitas, provavelmente não estarão ansiosos para reconstruir novamente o país só para vê-lo destruído.

Mas se o Hezbollah está debilitado, ele não está morto, e este pode não ser o fim da guerra, mas uma pausa, ainda que dure alguns anos.

A muito apregoada invencibilidade militar de Israel, que tem sido parte importante de sua estratégia de defesa, sofreu um duro golpe. Na resolução de cessar-fogo, Israel não conseguiu nem sequer obter o retorno imediato de seus dois soldados capturados, o que implica uma negociação prolongada com o Hezbollah sobre prisioneiros, prisioneiros de guerra e os corpos de combatentes mortos.

Autoridades israelenses estão discretamente preocupadas sobre como a guerra foi vista pelo presidente sírio, Bashar Assad, a quem consideram menos perspicaz e menos estável que seu pai. Os sírios têm um Exército bem equipado e bem treinado muito maior que a milícia do Hezbollah, e também uma Força Aérea, e Assad está comprometido com a obtenção da eventual devolução das Colinas do Golan.

Mostrar aos sírios que o Exército israelense ainda é capaz foi uma razão importante, segundo oficiais israelenses, para o primeiro-ministro Ehud Olmert ter autorizado uma ofensiva israelense mais ampla pouco antes do cessar-fogo.

Mas a principal preocupação israelense é com o Irã, que investiu milhões de dólares no Hezbollah e é acusado pelo Ocidente de abrigar um projeto secreto para construir armas nucleares. Qual o julgamento que os iranianos farão dessa pequena guerra é uma das principais perguntas ainda sem resposta.

Para Israel, a guerra também levanta questões sérias sobre uma nova retirada unilateral de assentados, desta vez da Cisjordânia. O ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, líder do Partido Likud, de oposição, falou por muitos israelenses na segunda-feira quando disse que a retirada do Líbano em 2000 produziu esta guerra, e a retirada unilateral da Faixa de Gaza, um ano atrás, produziu a vitória eleitoral do Hamas e os disparos de foguetes e a instabilidade constantes.

Apesar de Olmert ter sido eleito com a plataforma de uma nova retirada, as pesquisas de opinião indicam que os israelenses estão divididos quase por igual sobre o plano, o que provavelmente é o bastante para matá-lo.

A guerra também apresenta questões ainda mais sérias, sugere Shai Feldman, diretor do Crown Center for Middle East Studies em Brandeis, sobre o estabelecimento de um Estado palestino ao lado de Israel.

Israel respeitava a fronteira internacional com o Líbano, fato comprovado pela ONU, e foi o Hezbollah que violou a fronteira. "Se as fronteiras internacionais não significam nada", pergunta Feldman, "porque o publico israelense deveria apoiar uma retirada da Cisjordânia para criar um Estado palestino?" Preservar a idéia de uma solução com dois Estados é uma razão porque Olmert foi à guerra, disse Feldman. E é uma razão porque o Conselho de Segurança agiu com a firmeza que teve para defender a integridade da fronteira internacional e ordenou uma força internacional ampliada da ONU para protegê-la. Mas se os israelenses confiarão nessas garantias, é outra questão em aberto.