Título: 'O Hezbollah é que usa Síria e Irã para libertar território'
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2006, Internacional, p. A19

O Hezbollah não se deixa usar por ninguém. É ele que tem usado a Síria e o Irã para libertar território libanês. É o que afirma o ministro das Relações Exteriores do Líbano, o xiita Fawzi Salloukh, um independente apoiado pelo grupo. Em entrevista ao Estado, antes de receber seu colega brasileiro, Celso Amorim, Salloukh garantiu que o governo libanês é capaz de obter o desarmamento do Hezbollah. E previu que, dentro de uma semana, já haverá 20 mil soldados disponíveis para a nova força multinacional de paz no Líbano.

Muitos estão céticos quanto aos efeitos da resolução da ONU. O sr. acha que o cessar-fogo vai se manter? Sim. A Resolução 1.701 foi positiva. Ela foi aprovada dentro da legalidade do Conselho de Segurança e nós a aceitamos, apesar das reservas que temos. E ela será implementada. Pedimos cessar-fogo imediato e abrangente, sem precondições, e a retirada imediata das tropas israelenses, de modo que o Exército libanês, apoiado pela Finul (força de observação das Nações Unidas), seja destacado para o sul do Líbano.

Mas a ONU ainda não está pronta para mandar tropas suficientes. A Finul tem cerca de 2 mil soldados. Eles podem assumir o controle, no lugar das forças israelenses, e depois o entregariam ao Exército. Muitos países indicaram-nos que podem enviar soldados o mais depressa possível. A Itália, por exemplo, dispôs-se a mandar 3 mil soldados. Creio que, em seis ou sete dias, teremos mais de 20 mil soldados aqui. E o Exército libanês tem outros 15 mil soldados prontos, esperando a ordem para iniciar o destacamento. Mas eles não serão destacados para lá a menos que as tropas israelenses se retirem para trás da linha azul (a fronteira).

O sr. prevê que o Hezbollah seja completamente desarmado? Isso é um problema interno. A questão das armas do Hezbollah foi brilhantemente tratada no Comitê Nacional. Discutimos o tema em duas ou três sessões. E decidiu-se continuar discutindo no dia 25 de julho. O encontro foi cancelado (por causa da guerra). O governo do Líbano e o Hezbollah podem facilmente resolver esse problema.

O sr. acha que o Hezbollah tende a tornar-se um partido político apenas, sem braço armado? Claro. O Hezbollah é um partido político, é parte da sociedade libanesa. Discutimos o seu desarmamento no contexto da estratégia de defesa nacional, para tornar o Líbano capaz de se defender de qualquer ameaça externa. Quando tivermos um governo e um Exército libaneses fortes, as armas do Hezbollah não terão mais utilidade. Para isso, temos também que libertar as Fazendas de Shebaa (ocupadas por Israel). De acordo com a resolução, a questão das Fazendas de Shebaa está agora nas mãos do secretário-geral da ONU (Kofi Annan). Dentro de 30 dias, ele apresentará um relatório a respeito. Também queremos que Israel entregue os mapas das minas que plantou (no sul do Líbano) e negociações para a troca de prisioneiros libaneses e israelenses. A resolução discrimina entre os dois. Não deve haver discriminações. Ambos têm a mesma dignidade. No segundo dia da captura desses dois soldados, o secretário-geral do Hezbollah, sua eminência Hassan Nasrallah, convidou as Nações Unidas a intermediar as negociações para a troca deles. Os israelenses não responderam, o que significa que a guerra não foi por causa da captura dos soldados. Mas foi uma guerra bem organizada, bem preparada, por um longo tempo. Estavam esperando a hora para lançá-la.

Mas era possível prever a reação de Israel, considerando o que tinha acontecido na Faixa de Gaza, onde reagiu com fúria à captura de um soldado pelo Hamas. Certo, eles reagiram furiosamente em Gaza, mas por acaso aquele soldado capturado pelos palestinos estava fazendo um passeio? Eles o arrancaram de um tanque de guerra. Os dois soldados capturados aqui também não estavam a passeio.

Se o Hezbollah for desarmado, o Irã e a Síria terão de encontrar uma nova forma de fazer política regional? Os sírios deixaram muito claro que aceitarão o que o Líbano aceitar. O Irã está muito longe daqui. Temos excelentes relações com o Irã, como temos com o Brasil ou com a França.

Mas os iranianos estão usando o Hezbollah. O Hezbollah não se deixa usar por ninguém. É o Hezbollah que tem usado a Síria e o Irã para libertar território libanês.

Como o Brasil pode ajudar? O Brasil ajuda nos organismos internacionais, com apoio moral, e também poderá ajudar na reconstrução do Líbano. Estamos muito agradecidos pelo papel que o Brasil desempenhou no Conselho de Direitos Humanos (das Nações Unidas) em Genebra. O Brasil apoiou o Líbano e o conselho aprovou no dia 7 uma resolução contra as ações militares de Israel.