Título: O grande teste do CNJ
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2006, Notas e Informações, p. A3
Criado com a reforma do Poder Judiciário para promover o controle externo dos diferentes braços especializados da instituição, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) enfrentará nos próximos dias o maior desafio à sua autoridade. Trata-se da resistência dos escalões superiores da Justiça estadual à imposição do teto salarial de R$ 24,5 mil para a magistratura. Apesar dessa medida ter sido prevista por uma emenda constitucional e por uma lei devidamente aprovadas pelo Legislativo, ela sempre foi desrespeitada por meio de dezenas de vantagens que os Tribunais de Justiça (TJs) concedem aos desembargadores, elevando os vencimentos para muito acima do teto. Em março, o CNJ baixou duas resoluções exigindo o respeito ao teto e impondo aos TJs a obrigação de enviar, até o final de julho, um relatório circunstanciado sobre as providências tomadas para implementar essa determinação.
Embora o prazo vença dentro de 15 dias, presidentes de cinco TJs e desembargadores de vários Estados reuniram-se esta semana em São Paulo e decidiram recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para manter o que consideram ¿direito adquirido¿. Dos 14 mil juízes brasileiros, 2 mil estariam recebendo acima do teto. Em alguns Estados, segundo o CNJ, há salários superiores a R$ 50 mil.
O expediente utilizado pelos TJs para aumentar o contracheque dos desembargadores e ultrapassar o teto é a multiplicação de vantagens funcionais. As mais conhecidas são ajuda de custo, verba de representação, auxílio-moradia, sexta-parte (incorporação de 1/6 sobre os vencimentos quando os juízes completam 20 anos de serviço), triênios (6% a cada três anos), adicional ¿trintenário¿ (10% após 30 anos de serviço), ¿pé-na-cova¿ (15% a mais para quem tem idade de se aposentar e permanece na ativa) e ¿cascatão¿ (gratificação por antiguidade que em algumas cortes chega a render R$ 8,5 mil extras).
Vários TJs criaram mais de 40 gratificações. Em alguns Estados, os desembargadores recebem 14º e 15º salários a título de ¿auxílio-paletó¿. Em outros, a legislação estadual permite que benefícios da ativa sejam pagos após a aposentadoria. Em Roraima, o TJ paga combustível dos carros particulares e contas de água, luz e telefone das residências dos desembargadores. No Maranhão, a título de gratificação por direção, o presidente do TJ incorpora 40% do valor do salário e o vice-presidente e o corregedor, 30%. Deste modo, se um magistrado ocupou no passado um desses cargos e hoje ocupa outro, seu holerite é enriquecido com mais 60%.
Ao justificar a continuidade desses privilégios, muitos desembargadores alegam, além da tese do ¿direito adquirido¿, que a Constituição proíbe a redução de salário. Outros desembargadores afirmam que as vantagens funcionais obtidas ao longo da carreira têm de ser excluídas para efeitos de cálculo do teto e que a manutenção da atual estrutura salarial deve ser respeitada ¿porque essa é uma das garantias fundamentais da magistratura¿.
No entanto, em julgamentos anteriores, o STF já rejeitou esses argumentos, afirmando que ¿a remuneração do agente público tem vocação de subsistência e não de capitalização¿. Além disso, a Lei Orgânica da Magistratura estabelece que adicionais por tempo de serviço não podem exceder um determinado porcentual do salário básico. E o próprio CNJ, por meio de suas resoluções, determinou quais as gratificações, abonos e prêmios que são abarcados pelo teto e quais as vantagens que podem ser excluídas. Na semana passada, o órgão recebeu o apoio de todas as entidades representativas das instâncias inferiores da Justiça.
Este episódio mostra o quão enraizado é o corporativismo do Judiciário. Em nome de sua autonomia, os TJs converteram prerrogativas em instrumento de multiplicação de privilégios. Em nome do pacto federativo, muitos desembargadores ignoraram decisões legítimas do Congresso e inverteram valores, como se as Constituições estaduais estivessem acima da Constituição Federal. Mas, com apoio da maioria da magistratura e com base na jurisprudência do STF, o CNJ tem condição de fazer prevalecer sua autoridade sobre aquela minoria que insiste em colocar seus interesses corporativos acima dos interesses maiores da Nação e da própria ordem jurídica do País.