Título: G-8 cobra retomada da Rodada Doha e esvazia pressão do Brasil
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2006, Economia, p. B1

Os líderes do G-8 deram ontem ao diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, mais 17 dias para a conclusão dos pré-acordos da Rodada Doha nas áreas agrícola e industrial. Em um documento que pegou de surpresa a delegação brasileira, assinado na cúpula de São Petersburgo, o G-8 atropelou o apelo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentará no encontro de hoje, para o qual mais cinco economias em desenvolvimento foram convidados.

Lula ainda pretende cobrar dos líderes presentes concessões políticas para destravar a rodada e que, hoje, ultrapassam os limites de ação dos seus negociadores. Seu discurso, entretanto, deverá perder o impacto esperado, assim como os recados enumerados pelo grupo das economias em desenvolvimento - Brasil, Índia, China, México, África do Sul e Congo -, que se reuniu sob a coordenação de Lula na noite de ontem.

No segundo dos sete parágrafos do documento, os líderes do G-8 deixaram claro que Lamy terá "mais um mês, até 17 de agosto, para romper as intransigências e aproximar as posições sobre os três principais impasses - abertura de mercado agrícola, corte de tarifas na área industrial e redução de subsídios a agropecuaristas. O prazo anterior era 31 de julho. Também enfatizaram a necessidade de finalizar o acordo da rodada, com "alto nível de ambição em todas as áreas", até o fim de 2006.

Em nenhum momento, o G-8 indicou a necessidade de convocação de uma reunião de chefes de Estado para tomar decisões para dissolver os impasses da rodada, como vem defendendo o presidente Lula desde novembro do ano passado. O fracasso das negociações dos pré-acordos sobre agricultura e indústria, que deveriam ter sido concluídos nos encontros da OMC de 29 de junho e 1º de julho, em Genebra, foi lamentado.

Porém, o G-8 assinalou como acertada a decisão dos seis parceiros mais influentes na organização - Estados Unidos, União Européia, Japão, Brasil, Índia e Austrália - de reforçar o papel de Lamy como mediador e facilitador dos pré-acordos. Quando o G-8 tomou essa decisão, Lamy não havia desembarcado em São Petersburgo. Sua apresentação sobre a situação da rodada estava prevista para uma reunião na manhã de hoje.

"Conclamamos todos os países a se comprometerem com uma liderança concertada e com uma ação voltada para o sucesso da Rodada Doha", diz o documento. "Apelamos a todas as partes para trabalharem com máxima urgência para a conclusão da rodada no fim de 2006, para reforçar o sistema multilateral de comércio e prover um importante impulso na economia mundial. A rodada deve promover cortes reais de tarifas, efetivar os cortes nos subsídios e gerar um real aumento dos fluxos de comércio."

Ainda sem conhecer o conteúdo do comunicado do G-8, o presidente Lula reforçou sua versão de que a rodada chegou a uma situação limite e reiterou a necessidade de decisões políticas. Questionado se o documento do G-8 turvaria sua proposta de destravar a rodada por meio de decisões políticas dos líderes, Lula insistiu que as negociações deixaram de ser econômicas para tornarem-se políticas.

Considerando-se "otimista" com o desfecho da rodada, ele disse que os dois documentos assinados ontem, do G-8 e dos seis países em desenvolvimento, terão de ser confrontados hoje. "Precisamos dar a ordem de que queremos um acordo. Vamos confrontar os documentos, e é possível que saia uma coisa diferente", disse. "Afinal de contas, não representamos qualquer gente nessa negociação. É só ver o que representam os países que participaram da nossa reunião. Embora não tenhamos a quantidade de dinheiro que gostaríamos, temos a quantidade de gente. E eles (o G-8) sabem que (população) tem importância nas negociações", completou.

Mesmo surpreso, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, avaliou o documento como "realista", um "bom sinal" e uma resposta de "urgência".

O próprio documento dos países em desenvolvimento chama a atenção para o fato de que "o tempo está acabando". "Se a cúpula do G-8 entende que é preciso dar mais 30 dias para se chegar a um acordo, significa que quer fazer acordo", disse Lula. "É um passo importante porque havia quem dissesse até ontem que não haveria flexibilização. Seja 10, 20, 30 ou 35 dias, temos de chegar a um acordo."