Título: Em 2007, taxa real pode ficar abaixo de 10%
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2006, Economia, p. B6

Na reta final da campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode exibir ao País a menor taxa nominal de juros em 31 anos, conforme comemorou na semana passada o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, caso se confirme a expectativa do mercado e do governo de que o Comitê de Política Monetária (Copom) vai reduzir a Selic em mais 0,5 ponto, para 14,75% ao ano. E, em 2007, mantido o cenário projetado pelo mercado financeiro, o País poderá terminar com uma taxa de juro real (descontada a inflação) de apenas um dígito. A taxa de juro real é calculada com base na taxa Selic deduzida a inflação, o que significaria atualmente um juro real em torno de 10%, porque a Selic está em 15,25% ante inflação projetada em 12 meses de 4,4%.

Apesar desse alívio, o Brasil continua sendo o campeão mundial dos juros altos, o que atrapalha o crescimento e custa caro para o governo, que gasta mais com juros do que com investimentos em educação e saúde, por exemplo.

Segundo analistas do governo e do mercado, para trazer os juros para a média mundial, o governo precisa melhorar a qualidade e o tamanho dos gastos. Isto permitirá a redução da dívida e vai criar condições para que o governo invista mais, sem risco de pressão inflacionária.

"Temos que continuar trabalhando para reduzir a dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), melhorar a qualidade do gasto público e alongar os prazos da dívida. Só assim será possível manter a queda gradativa dos juros e e até mesmo acelerar o processo de redução dos juros", disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Ele lembrou que, na última reunião ministerial, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comentou o episódio em que, de uma única vez, os juros foram elevados de 29,75% para 49,75% ao ano, nas gestões de José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso. Isso demonstra, segundo Bernardo, que o juro alto é algo construído há muitos anos, e que o atual governo tem conseguido reduzi-lo.

Técnicos do Ministério da Fazenda defendem o aumento significativo dos investimentos públicos e privados para permitir uma mudança estrutural no nível do juro. Os investimentos públicos só podem ser elevados se o governo conseguir conter o crescimento das despesas correntes, uma reversão da política deste ano que privilegiou o aumento dos funcionalismo, das aposentadorias e pensões. Ou seja, o próximo presidente terá de discutir reformas, como da Previdência e do Estado.

DESAFIO

A elevação dos investimentos privados pode ser alcançada por meio da concessão de novos incentivos e, principalmente, da continuidade de queda da Selic. Uma interrupção na queda gradual, ou sua reversão, seria um desastre, pois levaria a uma interrupção das decisões de investimentos em curso, segundo economistas do governo. O ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas concorda com essa avaliação. Para ele, a taxa de investimento poderia chegar a 24% do PIB se o nível de juros reais caísse para cerca de 6% ao ano e a conseqüência seria o crescimento econômico sem inflação.

O diretor do Banco Modal, Alexandre Póvoa, concorda que a taxa de juros é fator im portante para a elevação dos investimentos. Porém, ele observa que o aumento nos investimentos passa pela definição clara de marcos regulatórios, que melhoram o ambiente de negócios e a infra-estrutura do País.

O estrategista do banco BNP Paribas, Alexandre Lintz, avalia que, para ter juros mais baixos, o governo precisa acelerar a redução no endividamento público, com a elevação no superávit primário (economia para pagamento de juros), por meio de corte nas despesas.

Para o analista financeiro do Instituto de Estudos em Administração (Inepad), Edson Carminatti, o BC tem condições de reduzir o nível estrutural da taxa básica com a manutenção, no longo prazo, da política de redução gradualista da Selic. "Se ela cair gradualmente a cada reunião do Copom, os bancos e a economia vão se adaptando à nova realidade."

O ex-presidente do BC Gustavo Loyola defende a utilização de duas taxas de juros: uma de curto prazo, para conter a inflação, e outra de longo prazo, para balizar a administração da dívida pública. "Com isso, os movimentos da Selic não afetariam tanto o custo da dívida."