Título: Venezuela entra para o Mercosul
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/07/2006, Economia, p. B4

Em sua primeira viagem internacional depois de assumir publicamente a candidatura à reeleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca hoje à noite em Caracas com um objetivo claro e uma expectativa implícita. O objetivo é prestigiar a cerimônia de adesão da Venezuela ao Mercosul, bloco até agora formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Nos bastidores, porém, Lula espera que a iniciativa ajude a conter a tendência do presidente venezuelano, Hugo Chávez, de interferir em assuntos internos dos países vizinhos, como ocorreu nos casos da ocupação das refinarias da Petrobrás pela Bolívia e na eleição do Peru.

A expectativa do governo brasileiro é de que Chávez, de agora em diante, passe a rezar pela cartilha do Mercosul e, em nome da integração sul-americana, seja de uma vez por todas enquadrado - tarefa considerada quase impossível por analistas de relações internacionais.

Com a assinatura do protocolo de adesão ao Mercosul, a Venezuela assume imediatamente as obrigações que compõem o acervo de normas do bloco e terá um prazo de quatro anos para se adaptar à Tarifa Externa Comum (TEC). Isso significa que em 2010 o país deve estar totalmente integrado à união aduaneira, considerada hoje uma colcha de retalhos.

Nas negociações que resultaram no acordo, a delegação venezuelana também se comprometeu a incorporar todas as regras de livre comércio do bloco até, no máximo, 2013. Mas, a partir da próxima reunião de cúpula do Mercosul - marcada para 20 e 21 deste mês em Córdoba, na Argentina -, Chávez já terá voz nas decisões.

Tudo foi preparado para que ele se sinta prestigiado e pare de provocar controvérsias na região. Além do anfitrião Chávez e de Lula, participam da cerimônia de hoje os presidentes Néstor Kirchner (Argentina), Tabaré Vázquez (Uruguai), Nicanor Duarte (Paraguai) e Evo Morales (Bolívia), que, apesar de não integrar o bloco, foi convidado para a solenidade, no Teatro Teresa Carreño.

Na prática, com a entrada da Venezuela como quinto sócio, o Mercosul passará a ter um Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente US$ 1 trilhão e um comércio global de mais de US$ 300 bilhões. Juntos, os cinco países têm cerca de 250 milhões de habitantes.

Impulsionado pelos petrodólares e pela capacidade energética de seu país, Chávez tem feito de tudo para se apresentar como líder da América do Sul. No diagnóstico de muitos dos vizinhos, a estratégia do isolamento seria arriscada, mas é preciso domá-lo o quanto antes para que ele não ponha a perder o projeto maior de integração.

ESCALDADO Lula pretendia inaugurar na Venezuela a ponte sobre o Rio Orinoco, na fronteira, e inspecionar o andamento da Linha 4 do Metrô de Caracas - financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foi orientado a cancelar o plano, por causa da Lei Eleitoral, que proíbe os candidatos de participar de inaugurações de obras públicas. Auxiliares do presidente também o aconselharam a pedir ao líder venezuelano que não interfira nas eleições do Brasil.

O Planalto está escaldado com o comportamento de Chávez - que na campanha peruana apoiou o candidato nacionalista Ollanta Humala, mas não conseguiu evitar a eleição de Alan García, apesar de despejar sobre ele uma saraivada de acusações. Para a campanha da reeleição, Lula tem até um slogan inspirado no marketing de Chávez, que sempre recorre à "força do povo" contra as elites.

Lula avalia, porém, que o colega venezuelano muitas vezes exagera em suas paixões e acaba causando confusão. Agora, espera tourear os impulsos de Chávez dentro do Mercosul.