Título: As sete ambulâncias que ninguém quer
Autor: Expedito Filho e Sônia Filgueiras
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2006, Nacional, p. A4
O microempresário Alan Francisco Souza tinha uma meta: prosperar transformando carros em ambulâncias. Bem informado, descobriu que a Planam era o filé mignon no mercado das licitações com dinheiro público. Em junho de 2005, procurou o empresário Luiz Antonio Trevisan Vedoin e viu nele uma pessoa séria. Esse foi seu maior engano. Há seis meses, num galpão do interior paulista sete ambulâncias negociadas pela máfia dos sanguessugas estão paradas. Ninguém quer saber de tirá-las dali.
As ambulâncias fazem parte de um pacote de 25 unidades cuja origem foram duas emendas do deputado Neuton Lima (PTB-SP), investigado por envolvimento no esquema fraudulento criado pela Planam. Um veículo ficaria com a Instituição Filantrópica e Educacional Parábola e o restante seria repassado por ela a outras entidades assistencialistas, indicadas pelo parlamentar. O galpão é da Rio Vale Veículos Especiais, de Capela do Alto, que há dez anos trabalha na transformação de carros normais em ambulâncias, unidades de saúde ou o que o cliente pedir. Quando conheceu Vedoin, Souza não ouviu falar de negociatas, esquemas ou trapaças. Ficou satisfeito em saber que a Rio Vale poderia ser uma das empresas terceirizadas da promissora Planam - era assim que muitas das oficinas do gênero viam o negócio criado pelos Vedoin.
Em dezembro, a Planam encomendou a transformação de três veículos especiais para a Rio Vale. Negócio feito e pago normalmente. Dias depois, surgiu a proposta de transformar carros Fiat Dobló em ambulâncias do tipo A, de uso para simples remoção de pacientes. Doze veículos. Chegaram, inicialmente, sete, todos zero-quilômetro, ano 2006. Antes da metade de janeiro, as ambulâncias já estavam prontas. Aí começou o pesadelo de Souza, que ligava para Luiz Antônio Vedoin e ouvia como resposta para esperar mais alguns dias. Só em março recebeu a ligação esperada. Vedoin havia liberado a retirada das ambulâncias por um motorista do deputado Neuton Lima, cuja base eleitoral gira em torno de Indaiatuba.
No fim de abril, Souza teve de viajar. Falta de sorte. Na sua ausência, as mesmas sete ambulâncias voltaram para o galpão da Rio Vale. Disseram ao funcionário que iriam procurá-los em breve. Desde então, o microempresário vê os veículos parados, sem função alguma. "Fico muito triste de saber que há tempos podiam estar sendo usadas para o bem da população", diz. Além disso, ele não sabe o que fazer com os veículos, que agora vão acumulando pó à espera do destino final. "Tenho medo de ser visto como receptador de mercadoria." A Parábola se recusa a recebê-los enquanto não houver uma definição do caso.
Um Dobló custa cerca de R$ 45 mil. Transformado, seu valor vai a R$ 65 mil. Os fornecedores da Rio Vale já estão protestando a empresa para pagar suas dívidas pela compra de materiais como fibra de vidro, carpetes, ventiladores, macas, sirenes e adesivos. Até agora, recebeu metade dos custos para a transformação das ambulâncias. Teve de dispensar seus dez empregados.
Souza não sabe por que "a turma do deputado" mandou devolver as ambulâncias. Imagina que tem a ver com as denúncias da máfia dos sanguessugas. Sem elas, estaria trabalhando e recebendo normalmente. A chefe do gabinete do deputado, Izildinha Alarcon Linares, afirma que Neuton Lima só fez as emendas para beneficiar a população e foi Vedoin quem assediou seu chefe. Mas ela não tem a menor idéia de por que os carros voltaram ao galpão. O Estado foi informado de que o parlamentar estava numa reunião na tarde e noite de ontem. Não respondeu às ligações.
Segundo o depoimento de Luiz Antonio Vedoin à Justiça, o petebista foi apresentado pelo deputado mato-grossense Ricarte de Freitas, de seu partido. E foi o empresário preso na Operação Sanguessuga que ajudou na licitação direcionada que beneficiaria a Parábola, no valor total de R$ 1,6 milhão. E, por conta desse negócio entre Planam, empresário e entidade filantrópica, o deputado recebeu R$ 25 mil em sua conta corrente, além de um microônibus Iveco, cor branca, estimado em R$ 67 mil. Teve a graça de ver esse veículo, algum tempo depois, transferido para Rubeneuton Oliveira Lima, o deputado evangélico da Assembléia de Deus.