Título: O enigma Raúl, o sucessor previsto
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2006, Internacional, p. A13

Com o apoio das Forças Armadas e do Partido Comunista Cubano (PCC), Raúl Castro, de 75 anos, assumiu o poder em Cuba. Ele substitui - de acordo com o discurso oficial, "provisoriamente" - o irmão Fidel Alejandro Castro Ruz, que completa 80 anos no dia 13, submetido a uma cirurgia de urgência para o tratamento de uma hemorragia intestinal. Desde o triunfo da Revolução Cubana, há 47 anos, Fidel nunca tinha aberto mão de suas atribuições.

A substituição de Fidel por Raúl foi definida ontem pelo pesquisador Jaime Suchliki, do Instituto de Estudos Cubanos da Universidade de Miami, como "a sucessão prevista" - longe da aspiração dos grupos opositores exilados em Miami, que esperam uma rápida transição para a democracia após a morte de Fidel. Para Suchlicki, essa é uma hora "definitivamente difícil" para a oposição. "Nesses momentos, os aparelhos de segurança do Estado estão em alerta. Não há condição para uma mudança radical."

Evidentemente sem o mesmo carisma do irmão, Raúl é considerado por muitos analistas como um simpatizante do pragmatismo econômico - aliado ao radicalismo político - do regime chinês. Sua posição de sucessor de Fidel se consolidou a partir de 1997, quando se tornou o "número 2" na hierarquia do Executivo e do Comitê Central do PCC - impondo-se à pretensão dos líderes da nova geração comunista, como o chanceler, Felipe Pérez Roque, e o chefe do Conselho de Ministros, Carlos Lage.

Antes, Raúl ascendera ao comando do Exército depois que seu antecessor na chefia da força, o general Arnaldo Ochoa - outro potencial sucessor de Fidel - foi executado, em 1989, por envolvimento com o narcotráfico. Raúl foi promotor do julgamento de Ochoa.

Para Peter Hakim, presidente do centro de estudos Diálogo Interamericano, Washington deve agir com cautela. "Não temos como prever se haverá uma disputa pela sucessão, ou se ela será violenta ou não."

Nelson Cunningham, assessor do ex-presidente Bill Clinton para a América Latina, lembra que Raúl não ficará no poder por muito tempo, por causa da idade - 75 anos. "Não lhe restarão muitos anos. Inevitavelmente, em pouco tempo teremos aberto um processo de transição real. "

Brian Latell, ex-analista da CIA para Cuba, também prevê dificuldades. "Haverá uma ansiedade popular alta", segundo Latell. "Ele terá pouca margem para errar.

Três semanas após assumir o poder, em janeiro de 1959, Fidel nomeou Raúl seu sucessor, dizendo a seus partidários: "Atrás de mim há outros mais radicais do que eu."

Em 1962, Raúl tornou-se vice-primeiro-ministro e, em 1972, primeiro-vice-primeiro-ministro. Como chefe das Forças Armadas, Raúl esteve profundamente associado ao envolvimento militar de Cuba em Angola e na Etiópia na década de 1970 - assim como no esforço dos militares para ajudar a resgatar a economia cubana após o colapso da União Soviética, em 1991.

Raúl, tido como um político linha-dura, já pertencia a um grupo da juventude comunista antes da revolução. Fidel só adotou o socialismo em 1961.

Já na economia, deu sinais de flexibilidade. Como ministro da Defesa, Raúl supervisionou experiências com limitadas reformas de mercado, em que unidades militares produziam e vendiam alimentos em mercados livres. Também mostrou interesse na versão chinesa do socialismo de mercado em 1997.

Quando foi à União Soviética, em julho de 1962, Raúl recebeu a promessa de que mísseis soviéticos seriam fornecidos a Cuba - o que conduziu à crise dos mísseis entre americanos e soviéticos em outubro de 1962 e levou o mundo à beira de uma guerra nuclear.

Mas também fez movimentos conciliadores. Em 1964, disse estar disposto a conversar com os americanos "ainda que fosse na lua".

"Raúl tem poucas chances de manter-se no poder", declarou, por seu lado, um dos comandante da Revolução Cubana, Huber Matos, que passou 20 anos preso, acusado de traição. "Nem remotamente ele tem a atitude, os recursos mentais ou a genialidade do irmão para controlar politicamente o país."

Para o ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González, o anúncio de Fidel e a designação de Raúl não passa de um primeiro balão de ensaio da sucessão cubana, que ainda não começou. "Esse é um primeiro ensaio geral. Haverá outros", disse.