Título: G-20 pode trazer de volta negociações da Rodada Doha
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2006, Economia, p. B7

Entre a frustração com a recente suspensão da Rodada Doha e a esperança de um "forte avanço" até o final de fevereiro de 2007, o ministro da Relações Exteriores, Celso Amorim, acredita que as negociações possam ser retomadas ainda neste semestre, mesmo com as eleições parlamentares americanas correndo soltas.

Amorim não desconsidera o poder dos lobbies agrícolas nos Estados Unidos. Mas está certo que Washington não quer para si o ônus do fracasso de uma rodada orientada para o desenvolvimento dos países mais pobres.

Nos bastidores, o chanceler trabalha para a realização de uma reunião do G-20, o grupo de economias em desenvolvimento que atua em conjunto nas negociações agrícolas da rodada, em setembro.

Alentado pelo fato de que um encontro do G-20 foi crucial para despertar a rodada, depois do fracasso da Conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC) de Cancún, em 2003, ele agora espera que uma nova reunião desse grupo possa atiçar os ânimos dos EUA e da União Européia para conclusão de um acordo ambicioso.

Por enquanto, obteve o aval dos ministros da Índia, Kamal Nath, e da Argentina, Jorge Tayana. No último sábado, Amorim tratou das perspectivas para a rodada com a representante de Comércio dos EUA, Susan Schwab - a mesma que se negou a apresentar uma nova proposta de corte de subsídios agrícolas e que precipitou, com esse "não", a suspensão das negociações.

Em entrevista ao Estado, Amorim relatou que não chegou a tratar de um possível acordo entre o Mercosul e os EUA, na sua conversa com Susan. Mas não o descarta - e nem mesmo a falecida Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Amorim reiterou que a prioridade do Brasil continua sendo a Rodada Doha.

Para ele, a OMC está em uma "encruzilhada". O fracasso da rodada fragmentaria o organismo. "Há sentimento geral de que a Rodada Doha não morreu e que não podemos deixá-la morrer. Seria uma irresponsabilidade."

Interessa ao Brasil concluir a rodada com o que já está na mesa? Não, porque seríamos obrigados a fazer concessões de qualquer maneira nas áreas industrial e de serviços. O que os EUA ofereceram de cortes nos subsídios domésticos e o que a União Européia propôs em abertura de mercado agrícola não são suficientes.

Qual seria a conseqüência do fracasso total da rodada? Um sistema multilateral de comércio remendado. A OMC está em uma encruzilhada. Ou continua a ser o principal fórum de discussão das normas internacionais de comércio ou será um organismo subsidiário. Nesse caso, o esforço dos países se deslocaria para os planos bilateral e regional, o que seria péssimo para as economias em desenvolvimento. Nessas negociações, há menos equilíbrio e é impossível tratar de temas como subsídios agrícolas e normas antidumping.

Setores agrícolas acreditam que, diante da suspensão da rodada, o Brasil deveria buscar acordos bilaterais e recorrer mais às controvérsias na OMC. O sr. concorda? Não deixaremos de atacar nessas áreas. Mas não há substitutos para a Rodada Doha. Também deve ser considerada a preocupação do setor industrial brasileiro de pagar o preço da abertura agrícola. Na OMC, os cortes se darão sobre as tarifas industriais consolidadas. Na Alca e no acordo com a UE, o corte se dará sobre a tarifa atualmente aplicada. Temos de olhar o conjunto dos setores produtivos. Não dá para optar por um deles.

A Alca não estava morta? Vamos terminar primeiro a Organização Mundial do Comércio. Sem concluir a Rodada Doha, tudo continua indefinido. A prioridade dos EUA também está nisso.

O sr. tratou com Susan Schwab sobre o acordo Mercosul-EUA? Não.

Não seria o caso de colocar essa carta na mesa? Os sistemas de negociações comerciais da UE e dos EUA já estão sobrecarregados e concentrados na OMC. Imagine o nosso! Mas eu não excluo o acordo EUA-Mercosul nem mesmo a Alca.

É possível a negociação dos EUA com o Mercosul depois da adesão da Venezuela ao bloco? Não sei. Não é um problema que se coloque agora.

O sr. pretende tratar da Rodada Doha na cúpula do grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), em setembro? Eu já estou tratando. Falei desse tema na segunda-feira com os ministros de Comércio da Índia, Kamal Nath, e da Argentina, Jorge Tayana, e com o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy. Todos foram receptivos à realização de uma reunião do G-20 no início de setembro. Depois do fracasso da conferência de Cancún, em setembro de 2003, a rodada foi retomada a partir de uma reunião do G-20. Nossos amigos americanos perceberam que a coisa era para valer, e as coisas começaram a andar de novo. Quem sabe haja uma nova chance.

A rodada ficará suspensa até as eleições parlamentares nos EUA? Não acredito. Há dificuldades com a eleição no Congresso, com o peso dos lobbies agrícolas, mas não impediriam a retomada da rodada.

A perspectiva de prorrogação do mandato dos Estados Unidos para negociar acordos comerciais, Trade Promotion Authority (TPA), dará alento para a conclusão da Rodada Doha? Mesmo se chegarmos a janeiro ou fevereiro de 2007 com o acordo final fechado, não haverá tempo suficiente para aprovar a rodada no Congresso americano até que o atual TPA expire, em julho de 2007. Mas se houver um forte avanço na Rodada Doha até lá, o Congresso tenderá a prorrogar.

O Brasil tem como influenciar os parceiros que estão travando a negociação? A maior influência seria dos EUA. Disse isso à embaixadora Susan. Os EUA têm de dar uma indicação do corte adicional que estão dispostos a fazer nos subsídios domésticos. No dia 24, em Genebra, a percepção foi de que essa margem era muito pequena.

Os EUA alegam que a proposta da União Européia sobre acesso a mercados é insuficiente para fazerem cortes maiores nos subsídios domésticos. A União Européia está encastelada? A UE foi hábil ao revelar um movimento de maior abertura agrícola em junho. Mas essa oferta não foi suficiente para os EUA reagirem. A média de redução de tarifas oferecida pela UE aproxima-se da exigência do G-20. Mas deixa uma brecha para que a abertura se dê em produtos de menor interesse para nós. Tampouco há clareza sobre a redução de tarifas de produtos sensíveis e sobre suas cotas de importação. Não estamos satisfeitos com as cotas que a UE indicou na sua proposta e sabemos que elas podem ser anuladas por meio de salvaguardas.