Título: O Congresso (todo) sob suspeição
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2006, Espaço Aberto, p. A3

A boa notícia é que a cada dia fica mais claro que a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a CPI dos Sanguessugas estão fazendo um trabalho de primeira ordem. Primeiro, no desvendamento do modus operandi da máfia que roubou do erário pelo menos R$ 110 milhões, superfaturando ambulâncias compradas com recursos federais para centenas de prefeituras. Segundo, na identificação dos mafiosos - os deputados e senadores responsáveis pelas emendas ao Orçamento da União, a gazua do esquema do qual se beneficiavam a empresa que vendia os veículos e corrompia congressistas, prefeitos, com alegadas ramificações no Ministério da Saúde e em dois governos estaduais do PT.

A má notícia é que a cada dia fica mais claro que esse escândalo supera o do próprio mensalão, pelo critério do número de legisladores envolvidos, a ponto de o deputado petista (e ex-procurador fluminense) Antônio Carlos Biscaia, presidente da citada CPI, dizer que ¿até a apresentação do relatório final, os 513 deputados e 81 senadores estão de alguma forma sob suspeição¿. Não é força de expressão, como poderia ser o argumento de que lançaram mão os condutores da investigação parlamentar para pressionar o STF a liberar a divulgação pelo menos dos nomes dos 57 políticos contra os quais foi aberto inquérito - que corre em segredo de justiça - a fim de que a opinião pública pudesse distinguir entre acusados e não-acusados.

Antes fosse. Considerando a folha corrida da atual legislatura e a quase convicção - baseada em 10 dias de delações premiadas do capo da falcatrua, o mato-grossense Luiz Antonio Vedoin, da Planam, a empresa corruptora - de que 105 parlamentares receberam gordas propinas pelo serviço sujo, não é despropositado sustentar que os 594 membros do Congresso Nacional deixaram de ser inocentes salvo prova de culpa, tornando-se suspeitos salvo prova de inocência. Se não no caso específico sob investigação, em outros do gênero que não surpreenderão ninguém se forem igualmente trazidos à luz. Dito de outro modo, as emendas individuais ao Orçamento, sem exceção, podem ter sido instrumentos de um crime continuado.

E quantos serão os políticos que traficavam mais do que ambulâncias? ¿Tenho certeza de que (a manipulação ilícita do Orçamento) atinge muitos tipos de emendas¿, afirmou Biscaia à colunista Dora Kramer - que escreveu ter ficado com a nítida impressão de que o presidente da CPI se controlou para não substituir o ¿muitos¿ por ¿todos¿ os tipos de emendas. O que chama também a atenção, no escândalo do dia, é a crueza do negócio. Debulhando os depoimentos de Vedoin, o vice da CPI, deputado Raul Jungmann, do PPS pernambucano, verificou que 49 congressistas foram pagos mediante depósito ou nas próprias contas bancárias (10) ou nas de parentes (5) ou nas de assessores (34), sustentados pelo contribuinte quando funcionários dos seus gabinetes.

Outros 5 preferiram receber regalos como uma BMW, um apartamento, uma viagem, decerto de primeira classe - ou mesmo um ônibus. Em 11 casos, Vedoin não esclareceu a forma de pagamento. Os mais espertos foram os 40 que receberam o que lhes era devido em dinheiro. Se o sigilo bancário deles não for quebrado, será difícil puni-los. Otimista, Jungmann diz que 54 ¿estão mortos¿, graças à documentação que os incrimina e que inclui planilhas com os seus dados bancários ou de parentes e assessores. Mas o seu castigo é uma questão em aberto. Dê no que der o seu posterior acerto de contas com a Justiça, o problema imediato é como removê-los de um Congresso semiparalisado devido ao ano eleitoral, a tempo de torná-los inelegíveis pela cassação.

Isso, se a Pizzaria Plenário, de que são sócios natos, não religar os fornos que funcionaram tão bem no caso dos mensaleiros - quase todos circulando lépidos e fagueiros entre os eleitores, na esperança de serem reconduzidos à Câmara. Dirigentes do PSDB e do PFL falam em expulsar os seus 7 filiados já comprometidos (3 e 4, respectivamente). Porém é mais fácil o inferno congelar do que o PTB e o PP (com 13 nomes cada) e ainda o PL (10), os principais partidos mensalônicos, expurgarem os seus vampiros. O mais dependerá da resposta da Justiça Eleitoral ao deputado pedetista Miro Teixeira, que pediu a sustação da posse dos acusados que vierem a se reeleger. Já a instituição legislativa não se sabe nem se, nem quando será resgatada.