Título: Desiludida, ala progressista da Igreja descobre PSOL
Autor: Rodrigo Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2006, Nacional, p. A6

A fissura ainda é pequena, mas já pode ser notada. No meio da chamada ala progressista do clero católico, que ajudou a criar o PT e sempre fez campanha para Luiz Inácio Lula da Silva, há padres transferindo seu apoio político para Heloísa Helena, a candidata do PSOL.

Um sinal expressivo dessa virada pôde ser presenciado dias atrás, quando a senadora foi convidada para comentar o Evangelho durante uma missa na Paróquia Nossa Senhora do Carmo, em Itaquera, no centro da zona leste - o maior reduto petista na periferia de São Paulo. Quem convidou foi o padre Paulo Sérgio, o vigário, que está na região há 25 anos e participou da fundação dos primeiros núcleos do PT por ali.

Desencantado com o governo Lula, pela sua política econômica e pelas denúncias de corrupção, o padre propôs a Heloísa que desse aos seus paroquianos o testemunho de uma cristã na política. Depois de ouvi-la, ele parecia encantado: ¿Além de falar com clareza, ela mostrou que é uma mulher simples, corajosa e capaz de ressuscitar a esperança.¿

Outro caso significativo de mudança é o do padre Manoel Henrique de Melo Santana, de Maceió. Com 61 anos, ele dirige a Paróquia de São Pedro Apóstolo, na Ponta Verde, bairro de classe média, e é conhecido na capital cearense pelo apoio que dá aos movimentos populares. Admirador dos discursos de Heloísa Helena, que define como ¿verdadeiros sermões¿, o padre fez questão de ir à cidade de União dos Palmares, no dia 24 do mês passado, para prestigiar o lançamento oficial da candidatura dela à Presidência.

Ao explicar por que deixou de apoiar Lula, ele disse ao Estado: ¿Não me sinto totalmente traído por ele, porque vejo pontos positivos no seu governo. Não se pode negar que o Brasil cresceu um pouco. Mas é possível fazer muito mais do que isso. A utopia do reino de Deus não pára por aí, no governo do PT. A atenção aos pobres não pode se limitar a migalhas ou esmolas.¿

Indagado sobre as reações dos fiéis às suas opiniões políticas, ele respondeu: ¿Estou sendo criticado porque apoiei abertamente o Lula e ele não correspondeu às expectativas. Agora decidi apresentar a Heloísa Helena como uma alternativa.¿ Para o dominicano Tomás Balduíno, bispo-emérito de Goiás e um decano na ala à esquerda do clero, a novidade na eleição deste ano é que Lula deixou de ser a única opção no meio das comunidades de base. Tudo indica, segundo suas observações, que a maioria dos progressistas deve continuar com o PT, mas há uma parte que pende para Heloísa e outra, menor, pregando o voto nulo.

O bispo ressalva, no entanto, que a questão principal não é o desencanto com Lula: ¿O principal é a insatisfação com o Congresso, onde os políticos protegem os corruptos, manipulam o resultado das eleições, traem os eleitores com a troca de partidos, legislam em causa própria. Por que se empenhar na eleição deste presidente ou daquele governador se o Congresso permanece o mesmo, com mais poderes que o Executivo?¿

Os padres que optaram por Heloísa sabem que as chances dela são pequenas - e até dizem que o objetivo maior não é a vitória, mas o debate. Não conseguem disfarçar, no entanto, que sonham com uma virada de votos. Especialmente quando comparam a campanha da senadora ao episódio bíblico de David e Golias - aquele em que o hábil guerreiro do exército do rei Saul derrotou o gigante filisteu, acertando-lhe a testa com uma pedrada.

Vale observar que Heloísa cultiva esses laços com os progressistas. Ela gosta de citar o Evangelho e São Tomás de Aquino e em mais de uma ocasião já se referiu a Jesus como um rebelde. Em dezembro do ano passado, ela disse na tribuna do Senado que, se nascesse hoje, ele ¿estaria frito, lascado, jogado nas cadeias ou nos hospícios, como lunático¿.