Título: Putin conseguiu o que queria no G-8
Autor: Nikolas Gvosdev
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2006, Internacional, p. A23

Se a impressão internacional sobre a cúpula do G-8 (o grupo dos sete países mais industrializados e a Rússia) foi a de uma reunião rica em fotos de ocasião, mas pobre em substância nas questões críticas, como a crise no Oriente Médio, o presidente russo, Vladimir Putin , ao menos, pôde sair de São Petersburgo com um formidável reforço em sua situação doméstica.

Para muitos russos, a ausência de resultados concretos foi menos importante que a imagem de um Putin vigoroso defendendo interesses nacionais russos e promovendo a visão da Rússia de como os assuntos globais deveriam ser estruturados.

Uma charge do cineasta Ivan Sidelnikov, de São Petersburgo, exibida em transmissões de televisão no fim de semana passado, mostra Putin andando sobre uma corda bamba no alto do salão de reuniões da cúpula, usando oleodutos para manter o equilíbrio enquanto evita os esforços de figuras sem rosto (representando os outros líderes do G-8) que tentam usar direitos humanos, segurança energética ou demandas territoriais para desequilibrá-lo.

Os comentaristas russos são quase unânimes na afirmação de que a cúpula marcou o pleno retorno da Rússia à fileira dos "países mais importantes" do mundo. Um sentimento que me foi expresso é o de que o desempenho de Putin como anfitrião do G-8 efetivamente expulsou os últimos fantasmas da era Boris Yeltsin, em especial, as imagens do presidente debilitado aceitando humildemente o "diktat" do Ocidente em troca do privilégio de ser visto em companhia dos então líderes do G-7.

Até o fracasso na tentativa de acordo com os EUA sobre o plano de entrada da Rússia na Organização Mundial de Comércio (OMC) foi interpretado como uma corajosa defesa dos interesses nacionais e um sinal de que Putin, diferentemente de Yeltsin, não está tão desesperado por aceitação a ponto de ceder a todas as exigências americanas.

A maioria dos russos sente também que as dúvidas que pudessem existir sobre a inclusão da Rússia no G-8 foram colocadas de lado. Falando num evento organizado paralelamente à cúpula por The National Interest, o comentarista de TV Alexei Pushkov chegou a dizer que as três razões que estavam sendo apresentadas para a Rússia não ser digna de integrar o G-8 - ela não é suficientemente democrática; não é um país rico; tem problemas com seus vizinhos - eram "irrelevantes".

A Rússia deveria estar no grupo por sua localização geopolítica, pelo fato de que sem a participação russa nenhum dos problemas urgentes com que se depara a comunidade internacional pode ser resolvido, e por sua posição como superpotência energética. O Times em inglês de São Petersburgo citou uma pesquisa de opinião em que 55% dos entrevistados russos concordaram com o raciocínio de Putin: o status da Rússia é determinado por seus recursos energéticos e sua posição estratégica.

A habilidade de Putin para se inserir - e inserir a Rússia - como fator de equilíbrio também esteve muito em evidência por aqui. Ao contrário do que previam alguns comentaristas ocidentais, que a cúpula de São Petersburgo seria de sete democracias industriais versus Rússia, as reuniões separadas de Putin evitaram que houvesse um desdobramento desse tipo.

Não só a Rússia não ficou isolada na reunião, como foi capaz de fazer entendimentos táticos com outros participantes (com a França, por exemplo, na declaração sobre a crise no Oriente Médio) para assegurar que a perspectiva russa receba plena atenção.

As sessões de Putin com o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, e com o presidente da China, Hu Jintao, também enfatizaram o papel da Rússia como uma ponte entre o Ocidente e as duas maiores potências da "Ásia ascendente".

Putin também alcançou uma grande vitória política doméstica. A maioria dos principais partidos de oposição - incluindo a União de Forças de Direita, Yabloko e Rodina - recuou da participação no fórum "Rússia Alternativa", citando a presença de organizações extremistas e fascistas ali. Isso não só reforçou as divisões dentro de uma oposição a Putin já bastante fraca, como permitiu que o presidente alegasse a participação e envolvimento de ocidentais no fórum como um sinal de apoio à oposição a ele, e não de apoio à democracia em geral.

A maioria dos russos concorda com a percepção no Ocidente de que o G-8 não parece uma organização tão eficiente como se apregoa. Mas, como essa mesa-redonda é vista como uma reunião das grandes potências mundiais, eles querem um assento.

Apesar das poucas iniciativas de peso produzidas na cúpula, Putin pôde sair do Palácio Constantino com a satisfação de saber que a cúpula serviu a seu objetivo de reforçar o orgulho nacional russo e contribuir para seu legado emergente de homem que mudou a Rússia para melhor.