Título: A invasão das espécies exóticas
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2006, Vida&, p. A25

Quem caminha pelos mais de 70 quilômetros de praia da Ilha Comprida, no litoral sul de São Paulo, pode perceber uma paisagem peculiar. Em meio às dunas da restinga, onde deveria existir apenas vegetação rasteira, grandes pinheiros brotam por toda parte. A sombra das árvores é um bem-vindo refresco para os moradores da região, mas a verdade ecológica é que elas não deveriam estar ali - assim como os pombos não deveriam estar nas praças das cidades nem as tilápias nas águas dos rios, nem o mosquito da dengue picando pessoas dentro de casa ou as moscas varejeiras rondando raspas de fruta na feira.

São todas espécies exóticas invasoras, originárias de outros países e de outros ambientes, mas que chegaram ao Brasil e aqui encontraram espaço para se proliferar. Algumas são exóticas também no sentido de "diferentes" ou "raras", mas muitas já se tornaram tão comuns que parecem fazer parte da paisagem nacional tanto quanto um pau-brasil ou um tucano.

Outros exemplos, apontados pelo Programa Global de Espécies Invasoras (GISP) e por cientistas brasileiros, incluem o pinus, o dendezeiro, as acácias, a mamona, a abelha-africana, o pardal, o barbeiro, a carpa, o búfalo, o javali e várias espécies de gramíneas usadas em pastos, além de bactérias e vírus responsáveis por doenças importantes como leptospirose e cólera.

Nenhuma delas é nativa do Brasil. Dependendo das circunstâncias, podem ser meras "imigrantes" inofensivas ou invasoras altamente nocivas. "Muitas espécies são exóticas mas não causam nenhum problema", diz a especialista Sílvia Ziller, da organização The Nature Conservancy (TNC). "A partir do momento em que começam a se disseminar de maneira prejudicial, porém, tornam-se invasoras."

Dentro do sistema produtivo, por exemplo, o búfalo e o pinus são apenas espécies exóticas. Quando escapam para a natureza, entretanto, muitas vezes tornam-se organismos nocivos aos ecossistemas "naturais".

Por causa de sua capacidade de sobrepujar espécies nativas, as espécies invasoras são consideradas a segunda maior ameaça à biodiversidade no mundo - atrás apenas da destruição de hábitats. Ao assumirem o papel de pragas e vetores de doenças, elas também causam impactos significativos na agricultura e na saúde humana. O prejuízo é de mais de US$ 300 bilhões por ano apenas nos EUA, Reino Unido, Austrália, África do Sul, Índia e Brasil, segundo a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas.

"Assumindo custos similares para o mundo todo, o dano causado por espécies invasoras seria superior a US$ 1,4 trilhão por ano, equivalente a mais de 5% da economia mundial", diz a CDB.

No Brasil, a conta chega a US$ 50 bilhões por ano, segundo o coordenador do Programa de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente, Lidio Coradin. Estudos feitos para o primeiro Informe Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras - ainda não publicado oficialmente - apontam para a existência de 545 espécies invasoras ou "potencialmente invasoras" no País. "É um problema complexo, difícil e com repercussões ambientais, sociais e econômicas violentas", diz Coradin.

Espécies invasoras não têm predadores naturais e se multiplicam rapidamente. São fortes, tipicamente agressivas, e controlam o ambiente que ocupam, roubando espaço das espécies silvestres e competindo com elas por alimento - ou se alimentando delas diretamente. Algo como uma pessoa estranha que invade sua residência, come sua comida e acaba por expulsá-lo de sua própria casa.

O pinheiro casuarina, que infesta o litoral sul paulista, é originário da Austrália. A espécie foi introduzida por moradores para servir de sombra e quebra-vento - funções que ela, de fato, exerce muito bem. Sem competidores à vista, porém, os pinheiros se espalharam pelo ambiente, desfigurando a paisagem e ocupando o espaço de espécies nativas da mata atlântica.

"É uma espécie muito agressiva e que vai bem em todos os ambientes", observa Marcos Campolim, diretor do Parque Estadual da Ilha do Cardoso. "Suas folhas são de difícil decomposição e abafam qualquer outra planta que tente crescer debaixo dela. Também não tem nenhum fruto que atraia aves ou outros animais."

BOA INTENÇÃO

Segundo Sílvia Ziller, mais de 75% das espécies invasoras no Brasil foram introduzidas intencionalmente, com finalidade econômica ou comercial. É o caso de uma série de gramíneas trazidas da África para servir como grama de pasto na pecuária. O capim-annoni (Erasgrostis plana) é um dos mais problemáticos: além de não agradar ao paladar do gado, é resistente a geadas e usa armas químicas para inibir o crescimento de outras plantas. Só no Rio Grande do Sul, a espécie já tomou conta de 1,5 milhão de hectares.

O caramujo-gigante-africano (Achatina fulica) foi trazido para o Brasil nos anos 80 para servir de escargot. O negócio não deu certo e o molusco se espalhou pelo País. A rã-touro (Rana catesbeiana), da América do Norte, também foi trazida para produção de carne e virou praga na mata atlântica, onde come tudo que encontra pela frente. Já a abelha-africana (Appis mellifera scutellata) foi importada na década de 50 para melhoramento genético da apicultura. Algumas rainhas escaparam e a espécie (vulga "abelha assassina") se espalhou por todo o continente.

Outro exemplo de introdução malsucedida é o lagarto teiú (Tupinambis merianae) em Fernando de Noronha. Nos anos 50, segundo o GISP, dois casais do réptil foram levados do continente para o arquipélago. A idéia era que eles comessem os ratos da ilha, mas ninguém se deu conta de que os lagartos têm hábitos diurnos, enquanto os ratos são animais noturnos. Resultado: os dois nunca se encontraram e, em vez de ratos, os teiús se multiplicaram aos milhares devorando ovos de aves marinhas.

Entre as espécies invasoras que afetam a saúde humana, a tendência é oposta. Segundo a pesquisadora Marcia Chame, da Fiocruz, mais de 70% das espécies nessa categoria chegaram ao Brasil acidentalmente. Dois exemplos conhecidos são o do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, que chegou da África junto com os navios negreiros, e do barbeiro (Triatoma infestans), inseto transmissor do mal de Chagas, que chegou da Bolívia com imigrantes das lavouras de café.

A lista de indesejados inclui ainda os patógenos de várias doenças, como rotavírus, leptospirose, cólera e o Schistosoma mansoni, verme da esquistossomose. Além de plantas tóxicas, como mamona e espirradeira.

No meio aquático , o grande transportador de espécies exóticas é a água de lastro de navios. Foi assim que chegou ao Brasil, nos anos 90, o mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), que vem causando sérios transtornos a empresas de energia e abastecimento. De origem asiática, o molusco se fixa a qualquer superfície submersa e se multiplica incrivelmente rápido, inclusive dentro de tubulações.

Nas hidrelétricas paulistas, o mexilhão já chegou a lacrar canos de mais de 50 centímetros de diâmetro, segundo o gerente do Departamento de Meio Ambiente da Companhia Energética de São Paulo (CESP), Milton Estrela. Após cinco anos de infestação, a empresa só agora está conseguindo controlar o problema, com aplicações de cloro.

Entre as espécies exóticas marinhas, uma que começa a preocupar é o siri-bidu (Charybdis helleri), que apareceu recentemente no Rio e vem expandindo sua área de ocorrência. "Não é bom negócio para os catadores, porque a espécie não tem valor comercial", observa o pesquisador Rubens Mendes Lopes, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).

Antes que possa ser publicado, o Informe Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras está sendo avaliado pelo Ministério da Agricultura, para evitar conflito com espécies de importância comercial. A idéia, no futuro, é fazer uma Lista Nacional de Espécies Invasoras, a exemplo da lista de espécies ameaçadas.