Título: Negociações na OMC têm mais uma chance
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2006, Economia, p. B5

À espera de uma proposta dos Estados Unidos de cortar de forma substancial seus subsídios à agricultura, os principais atores das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) se reúnem a partir de hoje em Genebra. O encontro está sendo avaliado como uma das últimas chances para que os países superem suas diferenças e evitem um fiasco de proporções mundiais que poderia pôr em risco anos de negociações.

O Brasil será representado pelo chanceler Celso Amorim, que tentará solucionar o impasse com ministros dos Estados Unidos, União Européia (UE), Índia, Austrália e Japão. A reunião ocorre depois que chefes de Estado durante a reunião do G-8 na Rússia deram o mandato a seus ministros para que concluam um acordo até meados de agosto. A exceção foi o presidente francês, Jacques Chirac, que insistiu em manter uma posição protecionista e acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser inflexível.

Para que um acordo seja possível, todos conhecem a receita: os EUA precisam promover um corte maior de seus subsídios agrícolas, o que permitiria que os europeus aceitassem reduzir de forma mais intensa suas tarifas de importação a produtos agrícolas. Já os países emergentes, diante deste pacote, aceitariam também aberturas de seus mercados para produtos industriais.

Até agora, Washington tem dito que concordaria em reduzir seus subsídios de US$ 22 bilhões para US$ 19 bilhões anuais. Os valores são considerados insuficientes tanto pelo Brasil como pela Europa. A Casa Branca, porém, insiste que Bruxelas precisa apresentar cortes maiores de suas tarifas de importação para produtos agrícolas, enquanto as economias emergentes devem ser mais flexíveis no campo industrial. ¿Para que os demais atores se movam, são os americanos que precisam dar um sinal primeiro. Não há nada sobre a mesa que justifique que nós mudemos de posição¿, diz Clodoaldo Hugueney, embaixador do Brasil na OMC.

NOVO MANDATO

A expectativa de uma nova proposta americana vem do fato de que o presidente George W. Bush teria dito ao diretor da OMC, Pascal Lamy, que seus negociadores receberiam novo mandato. Nos corredores da entidade em Genebra correm rumores de que os Estados Unidos estariam dispostos a reduzir seus subsídios para US$ 15 bilhões por ano. ¿Resta saber se a proposta de fato será colocada sobre a mesa e o que pedirão em troca dos países emergentes e da Europa¿, alerta um diplomata brasileiro.

Bruxelas havia proposto um corte de 39% de suas tarifas, taxa inaceitável tanto para o Brasil como para os Estados Unidos. Os europeus, mais recentemente, já disseram que podem aceitar uma redução de 51%, posição que quase chega à proposta do Brasil, de 53%. Já os americanos querem um corte dos europeus de mais de 60% e, portanto, se cobrarem tais cifras ao apresentarem sua proposta, o acordo ficaria inviabilizado.

Agricultores europeus se reuniram na semana passada com o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, e deixaram claro que não aceitarão abertura ainda maior do mercado. Segundo eles, as perdas comerciais podem ser de US$ 20 bilhões nos próximos anos para a região. Chirac, na reunião do G-8, ainda desafiou o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, alertando-o de que o bloco não tinha mais espaço para flexibilidades.

O preço de uma proposta americana para os países emergentes viria na forma de abertura de mercado para bens industriais. O Brasil aceita cortes de 50% em suas tarifas e qualquer coisa acima disso dependeria de ganhos na agricultura. De todas as formas, o Itamaraty garante que não teria como aceitar um corte acima de 60%. Segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o perigo de uma abertura não é a Europa e os EUA, mas a China. ¿A abertura não pode ser indiscriminada¿, afirma fonte da entidade.

Já a Casa Branca insiste que todos terão de mostrar flexibilidades. ¿Chegamos a um ponto crucial nas negociações em que vamos saber se há acesso suficiente a mercados para chamar o processo de uma rodada comercial. Os Estados Unidos estão prontos a mostrar flexibilidade, compromisso e coragem política, mas não podemos negociar com nós mesmos¿, afirma Susan Schwab, representante de Comércio de Washington.

Com tudo isso, não é raro encontrar em Genebra diplomatas e ministros pessimistas em relação à possibilidade de um acordo. Um deles é o ministro de Comércio do Japão, Toshihiro Nikai, que declarou antes de chegar à OMC que ¿não poderia estar otimista com as negociações¿. Os australianos também não descartam a possibilidade de fracasso.

A reunião de hoje é a primeira de uma série. No próximo fim de semana, os ministros voltam à Genebra para continuar a negociação. Mas diplomatas apontam que não há motivo de promover outro encontro se, entre hoje e amanhã, avanços reais não forem identificados. ¿Estamos no momento de definição. Ou teremos um acordo ou estaremos sem rumos pelos próximos meses¿, conclui um negociador asiático.