Título: A economia sufocada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/08/2006, Notas e Informações, p. A3

Os governos - quaisquer que sejam e de qualquer país - têm tendência a gastar tanto dinheiro quanto entrar em seus cofres. Há exceções a essa regra, mas o Brasil não é uma delas. Na verdade, aqui, além de haver a voracidade fiscal, gasta-se mal o dinheiro do contribuinte. É preciso levar em conta esse fato quando se discute a enorme carga tributária brasileira. O problema não está somente no peso total de impostos e contribuições extraídos anualmente da produção nacional. O prejuízo é duplo. De um lado, retiram-se da economia recursos necessários ao investimento privado, à produção e ao consumo. De outro, boa parte desse dinheiro é triturada em gastos improdutivos ou de baixíssimo retorno para a grande massa da população. No ano passado, o setor público sugou 37,37% do PIB, segundo os últimos cálculos da Secretaria da Receita Federal. A proporção deve ser maior neste ano e essa progressão, quase ininterrupta nos últimos oito anos, é uma das causas do baixo crescimento econômico do País.

Segundo o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, a carga tributária subiu de "modo saudável" no ano passado. Não houve aumento de alíquotas, quem já pagava regularmente não ficou mais onerado e a expansão da receita foi derivada basicamente do crescimento econômico e da arrecadação mais eficiente.

Para começar, isso é apenas parcialmente verdadeiro. Em 2005, a Cofins pela primeira vez incidiu nas importações durante 12 meses. No ano anterior, só havia incidido a partir de abril. Houve, portanto, um efeito retardado. Em 2003, as importações já haviam sido incluídas na base de arrecadação do PIS e as prestadoras de serviços haviam sofrido aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Parte do aumento da carga só se manifestou com o crescimento das importações, derivado não só do crescimento da economia, ainda moderado, mas também da valorização cambial nos últimos dois anos. Em vários países, minas enterradas há anos só têm explodido recentemente quando pessoas passam sobre elas. Ninguém usaria o adjetivo "saudável" para descrever esses fatos. Da mesma forma, a correção das Tabelas do Imposto de Renda Pessoa Física tem sido insuficiente para compensar desajustes acumulados durante anos. Também isto é uma forma, embora indireta, de elevar a tributação.

Mas o argumento do secretário da Receita, usado também pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, chama a atenção para um problema raramente discutido. Apesar da sonegação e da informalidade, o setor público arrecada cerca de 38% do PIB sob a forma de impostos e contribuições. Há muitos anos a receita tributária vem crescendo bem mais que a produção brasileira. Qual seria a carga efetiva, se houvesse, por exemplo, uma redução de 50% na sonegação e na informalidade?

Com esses 38%, a carga tributária brasileira já é muito maior que a da maior parte das economias em desenvolvimento. Supera a de vários países desenvolvidos, como os Estados Unidos, o Japão e a Austrália. Chegará a quanto, se um número bem maior de contribuintes pagar com regularidade?

Dizer que os atuais contribuintes pagarão menos quando todos pagarem é apenas expressar uma esperança. Isso ocorrerá somente se o governo contiver seus gastos. Se as despesas continuarem a crescer como têm crescido, o governo buscará meios de obter a receita necessária para custeá-las, mas também isso não será uma solução, porque o setor produtivo não suportará um peso maior por muito tempo.

Não há alternativa saudável, portanto, a uma séria política de contenção de gastos do setor público. Não será preciso reduzi-los em termos absolutos, mas será indispensável impedir que sigam crescendo mais que o PIB. Para favorecer a expansão da economia, também será essencial reformar o Orçamento e mudar a estrutura dos gastos, para destinar maior parcela de recursos a investimentos bem planejados.

Quase tudo que se poderia dizer sobre a qualidade do ajuste fiscal já foi dito por especialistas brasileiros e estrangeiros. Bons estudos não faltam. Faltam convicção ao governo e disposição política para tomar as medidas necessárias. Este será o primeiro e maior desafio para o novo governo.