Título: O risco de perder o SGP
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2006, Notas e Informações, p. A3
O Brasil exportou no ano passado US$ 22,7 bilhões para os Estados Unidos. Desse total, cerca de US$ 3,6 bilhões entraram no mercado americano pela porta do Sistema Geral de Preferências (SGP), um benefício unilateral concedido por alguns países do Primeiro Mundo a economias em desenvolvimento. O País poderá perder essa vantagem no fim do ano, quando as autoridades americanas concluírem a revisão periódica do sistema. Esse risco está afastado, segundo o Itamaraty, mas a representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior, Susan Schwab, admitiu a possibilidade. Será uma decisão ruim para as relações bilaterais, disse há dias o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan. Ele pode estar certo nessa avaliação, mas o SGP é uma carta valiosa nas mãos dos americanos e eles têm liberdade para usá-la.
Como a concessão é unilateral, não se poderá contestar legalmente a exclusão do Brasil, se o governo dos Estados Unidos estiver disposto a decretá-la. Além de serem livres para decidir, as autoridades americanas ainda poderão justificar-se, alegando ser preciso reservar o benefício a economias menores e mais pobres. Outros beneficiários, como Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul foram excluídos há anos. Mas o Brasil, apesar do tamanho de sua economia e do crescimento recente de seu comércio, está menos preparado para o choque.
Vários outros países - Argentina, Índia, Rússia, África do Sul, Venezuela, Tailândia e Turquia - poderão entrar na lista de exclusões. Essas exclusões nem sempre são decididas por critérios técnicos. Os americanos as têm usado como instrumento de pressão para atingir alguns objetivos. Ao cobrar do governo brasileiro medidas de proteção a patentes, ameaçaram excluir o Brasil do sistema.
A ameaça foi retirada, afinal, pela Casa Branca, mas o assunto ressurgiu, há algumas semanas, em novo contexto. Primeiro, o senador Charles Grassley, presidente da Comissão de Finanças do Senado, acusou Brasil e Índia de criarem obstáculos à negociação global de comércio e defendeu a exclusão dos dois países do SGP. A negociadora Susan Schwab, falando pelo Executivo, não endossou essa ameaça, mas admitiu a possibilidade de eliminação de alguns países, na próxima revisão do sistema, apenas com base em critérios técnicos.
Se essa decisão for tomada, filiais brasileiras de indústrias americanas poderão perder negócios. Esse argumento será usado, com certeza, em discussões sobre o assunto. Mas nada garantirá sua eficácia, pois o governo americano levará em conta pressões políticas de várias outras fontes. A negociadora Susan Schwab nem sequer precisará mencionar essa ameaça, em seu esforço para obter o apoio brasileiro numa nova etapa da Rodada Doha. Esse trabalho poderá ficar para o senador Grassley, interessado pessoalmente nos subsídios pagos pelo governo aos fazendeiros.
A pressão do senador e de outros defensores dos subsídios poderá aumentar, em breve, por causa do contencioso comercial entre Brasil e Estados Unidos. A OMC condenou as subvenções americanas a exportações de algodão. Os americanos cumpriram apenas parcialmente as determinações dos juízes. Isso dá ao governo brasileiro o direito de impor uma retaliação. Se esse direito for usado, haverá provavelmente uma forte reação de Grassley e de seus companheiros.
O Brasil não se preparou para perder os benefícios do SGP. Um acordo de livre-comércio com os EUA seria o caminho normal para disciplinar e estabilizar as preferências alfandegárias. Mas o governo petista preferiu torpedear as negociações da Alca. Parte da responsabilidade pelo impasse nessas discussões cabe ao governo americano, mas a iniciativa de enterrar o empreendimento foi claramente do governo brasileiro, com forte apoio argentino.
Além de trabalhar pelo fracasso da Alca, o governo petista pouco fez para aumentar a competitividade dos exportadores brasileiros. Quando foram excluídos do SGP, Taiwan, Coréia do Sul e outros asiáticos já se destacavam por seu poder de competição e pelo pragmatismo de suas políticas de comércio. Não é o caso do Brasil. Por isso a ameaça de exclusão do SGP é tão preocupante.