Título: Contribuição inestimável
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2006, Nacional, p. A6

Por contraditória que possa parecer a afirmação a seguir, é inegável - e inestimável - a contribuição dada pelo PT nestes últimos anos para a elevação do padrão de exigência moral aplicado aos usos e costumes da política, notadamente agora em tempos de eleições gerais.

Nunca se viu por aqui a Justiça Eleitoral empenhada em chamar a atenção da população para a qualidade do voto, o Ministério Público vigilante quanto às regras de propaganda e registro de candidaturas, partidos obrigados a negar legendas a envolvidos em denúncias, políticos acuados pedindo desculpas no horário eleitoral e a reforma política - sempre vista como assunto do "pessoal de Brasília" - integrada à agenda do interesse nacional.

Depois de uma vida toda dedicada à oposição e ao culto da pureza ética, o PT no governo absorveu com tamanha falta de cerimônia as práticas deformadas da atrasadíssima política brasileira, acentuou de tal maneira as mazelas da corrupção, do clientelismo, fisiologismo, loteamento de cargos, da indiferença aos rituais básicos da etiqueta do poder, do cinismo no manejo de versões e do trato particular da coisa pública, deixou tão às claras o que antes era algo obscuro, que chegamos a um beco sem saída e o País está diante da feliz contingência de melhorar.

É verdade que, como diria o pessimista, melhora porque simplesmente não tem como piorar nesse setor. Mas melhora, e isso é o principal.

O próximo governo, mesmo sendo uma segunda edição do atual, não poderá mais formar maiorias parlamentares em termos puramente mercantis. Alguma forma o Poder Executivo haverá de encontrar para se relacionar com o Legislativo que não a da promiscuidade e da submissão elevada a níveis nunca vistos.

O Congresso terá forçosamente de investir na recuperação da confiabilidade e respeitabilidade, senão de maneira cabal, pelo menos será levado a retomar a dinâmica da condução do processo legislativo por lideranças referidas na atuação política e não pautadas por interesses comerciais, como ocorreu na legislatura em curso, onde reinou o baixo (no sentido de baixeza) clero que, embora sempre tenha existido, nunca preponderou nem comandou.

A culminância dessa situação degenerada foi a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara como conseqüência de uma espécie de vale-tudo que passou a vigorar no Parlamento depois que o governo deixou sua base entregue aos apetites dos aliados José Sarney e João Paulo Cunha, então presidentes do Senado e da Câmara, em busca das próprias reeleições, e o PT conduzindo o processo de sucessão a partir de suas conveniências partidárias.

A oposição, percebendo a fragilidade do Planalto e seu equívoco de percepção sobre a necessidade de observar um mínimo de princípios para garantir o funcionamento organizado da área política, deu-se ao desfrute irresponsável de apostar no quanto pior, melhor.

Resultado: meses depois, o presidente da Câmara era obrigado a renunciar ao cargo e ao mandato por corrupção.

De lá para cá, a deterioração foi veloz. O Parlamento inocentou a maioria dos envolvidos no gigantesco escândalo do mensalão e, aqui também com a contribuição inestimável dos partidos de oposição, a política foi levada ao fundo do poço.

Importante notar também a participação do Poder Judiciário, com suas interferências e sentenças protelatórias, guiadas por indevidas ligações e preferências políticas de magistrados, nessa trajetória descendente.

Mas, como parece verdadeiro o dito segundo o qual o fundo do poço tem mola, já se podem observar sinais de que nem tudo está perdido.

As verdades ditas em alto e bom som por deputados como Fernando Gabeira, as atitudes do Judiciário negando liminar a sanguessugas e desobstruindo o trabalho da CPI dos Sanguessugas, a redução dos prazos regimentais para a tramitação dos processos dos acusados e a disposição de reabri-los na próxima legislatura indicam a possibilidade real de revogação daquele lema segundo o qual não corríamos, na política, o menor risco de melhorar.

Ainda que seja pela impossibilidade de piorar. E deve-se ao PT e sua maneira atabalhoada de lidar com a democracia formal a deposição de todas as cartas bem abertas à mesa.

Quanto antes O deputado Roberto Freire explica a pressa para a abertura dos processos, nos Conselhos de Ética da Câmara e do Senado, contra os parlamentares acusados de envolvimento com a máfia dos sanguessugas: é que se o processo não for aberto até o fim desta legislatura, na próxima ele não poderá ser retomado e os reeleitos ficam por antecipação absolvidos.

O outro A despeito da insistência de aliados, o candidato Geraldo Alckmin continua convencido de que deve citar o mínimo possível o nome de seu adversário principal.

E critica seu partido por fazê-lo em excesso: "Na convenção do PSDB, em Minas, citaram cinco vezes o meu nome e cinqüenta o do Lula."