Título: Médico burla SUS para operar
Autor: Ricardo Westin, Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2006, Vida&, p. A23

As operações de troca de sexo estão liberadas no País desde 1997. Mesmo assim, muitas continuam sendo feitas nos hospitais universitários na clandestinidade, como se ainda fossem proibidas.

Para operar quem sofre de transexualismo, uma doença, médicos estão burlando o sistema público de saúde, que não cobre os custos da cirurgia. Eles informam que operaram um homem com câncer de pênis ou de testículo. Ou uma mulher com câncer de mama ou útero. A extirpação isolada desses órgãos faz parte da tabela de operações pagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

"O que ocorre é um simulacro, porque não relatamos todo o trabalho. Informamos que retiramos pênis e testículos, mas não que construímos uma vagina", diz um médico que faz a operação num hospital universitário. A prática foi confirmada ao Estado por médicos de outras instituições. Eles pediram que seus nomes não fossem publicados.

Os médicos dizem que o objetivo é "corrigir um erro da natureza". Não há interesse financeiro, já que o reembolso equivale a uma parcela ínfima do custo de fato, que varia de R$ 8 mil a R$ 20 mil. Informando a extirpação de um órgão, o hospital recebe do governo algo em torno de R$ 500.

O Ministério da Saúde desconhece que cirurgias vetadas pelo SUS estejam sendo pagas com dinheiro público. E afirma que, feita uma denúncia, o procedimento será abrir uma investigação.

Para o promotor Diaulas Costa Ribeiro, do Ministério Público do Distrito Federal, as normas não podem ser interpretadas ao pé da letra, pelo menos nesse caso. "Crime seria se retirasse os órgãos de uma pessoa saudável, para despistar um erro médico. Os médicos podem ser protegidos por uma figura jurídica chamada estado de necessidade."

Ao menos 350 transexuais (dos quais 15 mulheres) estão na fila à espera da operação, segundo levantamento feito pelo Estado nesses hospitais.

No Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a cirurgia só é feita porque é paga pelo governo estadual. O Hospital das Clínicas de Campinas foi um dos primeiros a realizar a cirurgia, em 1999. Um dos motivos para que o programa não fosse levado adiante foi o fato de não ser custeado pelo SUS.

GRUPO DE ESTUDO NO SUS Há dois anos, o Ministério da Saúde criou um grupo para estudar a inclusão da troca de sexo nos itens pagos pelo SUS. Só duas reuniões foram feitas.

Para o promotor Ribeiro, existe má vontade. "Você é solidário quando transfere para si a dor do outro. Por isso é mais fácil olhar para quem tem câncer, por exemplo, e ignorar o transexual. A solidariedade não é fruto de grandeza, mas de medo. Você tem medo de ter câncer, não de ser transexual. Mas para o transexual, o problema é como câncer em metástase."R.W.