Título: Sem construção não há crescimento Roberto Macedo
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2006, Espaço Aberto, p. A2

O título acima chega a ser uma obviedade, mas este é um país em que até isso precisa ser demonstrado. Trata-se da importância da construção civil - em particular, do segmento imobiliário - no crescimento econômico, papel esse que no Brasil é menosprezado pelo governo, além de prejudicado por sua incontida voracidade na apropriação e no mau uso de recursos que poderiam fluir para esse setor.

A correlação entre construção e crescimento econômico é tão forte que uma boa visão da saúde econômica de um país ou de uma região pode ser obtida mesmo sem recurso a números. Consiste em observar suas cidades mais importantes e verificar se são evidentes novas construções de todo tipo.

Por exemplo, no último período de crescimento bem forte da economia brasileira (1968-1973), quando seu produto interno bruto (PIB) teve desempenho próximo ao da China dos dias de hoje - cerca de 10% ao ano -, percebia-se na paisagem urbana de muitas cidades a proliferação das construções. A intensidade foi tão forte que no final desse período os jornais paulistas publicavam notícias de uma "crise de mão-de-obra", em que os empresários narravam dificuldades na contratação de trabalhadores.

Essa "crise" era, na realidade, uma bênção, pois revelava que a reclamação estava no fato de que era necessário pagar salários maiores para estimular mais pessoas a trabalhar ou a trabalhar mais. E, ainda, para atrair imigrantes do setor rural ou de regiões que o desenvolvimento não alcançava.

Infelizmente, "essa crise" se foi. Se houvesse ficado, o Brasil seria hoje um país bem próspero e próximo dos desenvolvidos, e com muitíssimo menos graves problemas, como os de pobreza e de criminalidade, que marcam a atual paisagem nacional.

Ainda assim, pelo dinamismo das construções é possível perceber que algumas regiões se saem bem melhor que outras, o que em seguida se evidencia nos levantamentos estatísticos. Esse é, por exemplo, o caso de várias cidades do interior do Estado de São Paulo. Como outros exemplos, há uns dez anos me chamou a atenção o crescimento do setor imobiliário em Fortaleza (CE) e, mais recentemente, percebi isso em Aracaju (SE), com o maior crescimento regional confirmado por dados do IBGE.

Esses desenvolvimentos localizados, contudo, são insuficientes para dar o ímpeto de que carece a economia como um todo, carência essa cuja obviedade os arautos governamentais e financistas mascaram com seu discurso de que a economia vai bem. No Brasil, um PIB crescendo a 3,5% ao ano só é bom para quem ignora a História do País e não vê o restante do mundo. Ou, então, faz da enganação um ofício.

Para cair na real sobre a importância da construção civil uma sugestão é acompanhar o que se passa com ela nos Estados Unidos, em particular no seu segmento habitacional. Segundo a revista The Economist (26/8), esse segmento foi o principal motor da economia americana nos últimos anos, atuando de três formas:

A ampliação da construção de habitações contribuiu diretamente para o crescimento do PIB;

os donos dos imóveis passaram a se sentir mais ricos e a gastar mais, acelerando esse crescimento;

dado o maior valor dos imóveis, estes passaram a ser utilizados como garantia de novos empréstimos, tudo a juros muito baixos, o que também ampliou o dispêndio das famílias.

A expansão foi tão forte que gerou problemas, como um impacto inflacionário que o banco central de lá se preocupa em conter. Mas são males de quem comeu muito, enquanto aqui permanece a fome habitacional e de construções em geral. Para uma idéia dessa condição famélica vale destacar o que foi dito a respeito pelo presidente do Banco Santander-Banespa, Gabriel Jaramillo, em entrevista a este jornal (28/8). Segundo o entrevistado, o crédito imobiliário no Brasil representa só 2% do PIB; nos EUA, 80%!

Entre os motivos estão os juros aqui muito mais elevados. Lá a taxa básica, que vinha em fase de elevação, chegou a 5,25% ao ano, e já preocupa; aqui, em fase de redução, estava ontem em 14,75%, uma diferença não explicada pela inflação nos dois países, hoje correndo a taxas quase idênticas, perto de 4% ao ano.

Outra razão importante é que o governo brasileiro, de tamanho insuportável para o PIB que temos, com sua carga altíssima tributária e sua preocupante dívida retira da economia recursos que poderiam ser destinados à habitação e aos investimentos em geral, e de sua parte quase nada faz com esses objetivos.

Uma prova eloqüente dessas distorções está no último balanço semestral da Caixa Econômica Federal (CEF). Seus lucros, conforme matéria deste jornal (24/8), cresceram 43% (!) no último semestre, relativamente a igual período do ano anterior, e a maior parte deles (também 43%) veio de aplicações em títulos da dívida pública, particularmente recompensadores pelos juros que oferece. Assim, a dívida do governo absorve recursos de seu "braço habitacional", com juros que continuam afastando quem necessita dele. Os lucros, no valor de R$ 937 milhões, também escaparam ao alcance desse braço, pois 98% deles não foram reinvestidos na CEF, mas entregues ao governo federal mesmo antes de terminar o semestre. Isso para dar musculação a um braço muito mais ágil do governo, o da gastança usual e adicional num ano eleitoral.

Tudo rima coerentemente com mal, pois essa é a forma como o governo atua na economia. Não sem motivo o País cresce pouco, e ainda vem esse papo-furado de que a economia vai bem. Por essas e muitas outras razões, vai mesmo é bem mal. Se reeleito o tagarela-mor dessa conversa fiada, as perspectivas são de mais da mesma.