Título: Hospital de PE é a 'cidade dos loucos'
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2006, Vida&, p. A20

É a cidade dos loucos. Tem cheiro azedo, bolor nas paredes e comida pelo chão. Pelos cantos, corpos malvestidos ou nus expõem marcas e doenças de pele. Lá, em 13 pavilhões, divididos por sexo e idade, cerca de 800 pacientes internados há pelo menos dez anos dormem sobre colchões ou pedaços de espuma em cubículos escuros. Eles estão a quarenta minutos de Recife, em Pernambuco, nos arredores de Camaragibe, no hospital psiquiátrico Alberto Maia. Segunda maior instituição do País e considerada pela última avaliação do Ministério da Saúde uma dos piores, já não recebe novas internações, mas continua em funcionamento.

Os que estão ali chegaram há muitos anos e não saíram mais, vítimas de um modelo que previa o asilamento, a medicação e só. Passam os anos se arrastando pelos pavilhões. Vieram de vários pequenos municípios do Estado e quase não mantêm contato com parentes. Andando pelas pequenas ruas entre os prédios da instituição, ouvem-se suspiros, gemidos, gritos.

Entidades regionais de saúde, mobilizadas pela Rede Internúcleos pela Luta Antimanicomial, denunciam maus-tratos e 13 mortes nos últimos cinco anos - fatos que a administração local nega. "Este hospital era uma beleza até seis anos atrás. Quando saiu uma portaria do governo pedindo uma exigência muito grande de pessoal e não deu recíproca financeira, começamos a ficar sem condições de prestar um atendimento melhor", defende-se o diretor, Romero de Andrade Lima. "Poderíamos ser melhores, é claro, se tivéssemos mais dinheiro. Mas maus-tratos e mortes aqui não existem. Fazemos um bom atendimento e somos perseguidos, injustiçados. Nenhuma dessas acusações procede."

Quanto à avaliação negativa recebida pelo Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (Pnash), que indicou a necessidade de o hospital ser fechado, Lima afirma que houve problemas e que o documento não mostrou a situação verdadeira.

"Esse hospital é um modelo superado e a posição do ministério é que ele deve ser fechado. O problema é que existe uma questão na Justiça, e até agora ela foi favorável à ele permanecer em funcionamento, é um impasse", diz Alfredo Schechtman, coordenador substituto da área técnica de saúde mental do ministério. De acordo com ele, cinco hospitais na mesma situação já foram fechados, e outros cinco estão com pendências judiciais.

ATRASO

A situação de Camaragibe veio à tona na última avaliação do ministério. O problema é que, prevista para ser feita anualmente, ela está atrasada. A última foi feita em 2004. A deste ano deverá começar no mês que vem. O relatório é uma maneira de saber o que acontece nas 228 instituições espalhadas pelo País.

Ou seja, no Brasil convivem, às vezes na mesma cidade, hospitais no modelo antigo e unidades menores ligadas a Centros de Apoio Psicossocial e ambulatórios. A discussão é sobre para onde o modelo deve caminhar. Há movimentos a favor de fechamentos e outros que defendem a continuidade.

"Os hospitais cumprem o papel para o qual estão destinados. Fazer atendimento e dar alta. Damos 20 mil altas todos os meses, isso quer dizer alguma coisa. As instituições vivem numa situação delicada, sem recursos, sem repasses. Já fomos 5% do orçamento do ministério e hoje somos 2%", queixa-se Eduardo Spínola, presidente do Departamento de Psiquiatria da Federação Brasileira de Hospitais. "Do jeito que estamos, o País caminha para a falta de assistência e para jogar os doentes mentais nas ruas."

Para o psiquiatra Luiz Carlos Aiex Alves, que coordena hoje, amanhã e sábado, no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, um debate sobre a reforma, o hospital psiquiátrico deve se aproximar cada vez mais de um hospital geral, atendendo casos agudos, que precisam de internação. Aí entra a polêmica. "A questão é que não existe hospital psiquiátrico bom", afirma Marcos Vinícius de Oliveira, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia.