Título: 'Disposição é afastar o famoso jeitinho'
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/08/2006, Nacional, p. A11

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello, garante que a Justiça Eleitoral está mais rígida e que os políticos acusados de envolvimento em esquemas fraudulentos, como a máfia dos sanguessugas, terão dificuldades para concorrer em outubro a novos cargos. "O tribunal está disposto a considerar a quadra vivida, que é uma quadra de purificação, alvissareira quanto a dias melhores", prevê Marco Aurélio. Segundo ele, a disposição é de "afastar do cenário o famoso jeitinho brasileiro".

Para ele, essa mudança atende aos anseios da sociedade, que não agüenta mais a onda de corrupção. "Todos estão agora convictos de que é preciso corrigir rumos. Quando o Judiciário atua, atua considerando o contexto, considerando os fatos e até mesmo os anseios da sociedade. A sociedade não suporta mais continuar com os escândalos que estão aí estampados nos jornais, nos veículos de comunicação", diz ele, nesta entrevista ao Estado.

Em mais um sinal de mudanças na Justiça Eleitoral, o TSE decidiu na quinta-feira que os administradores públicos que tiveram suas contas rejeitadas por Tribunais de Contas só poderão concorrer se conseguirem uma liminar da Justiça. Antes, o político apenas precisava entrar com um recurso na Justiça. O TSE mudou?

A corte assentou que não basta um ato unilateral do interessado. A simples vontade dele ingressar em juízo é insuficiente. O caso analisado pelo TSE foi emblemático. Porque o Tribunal de Contas se pronunciou mediante decisão na área administrativa em 2003. Na undécima hora, na véspera do término do prazo para registro, o que o político fez? Ele se lembrou de recorrer ao Judiciário, de entrar com a ação. E aí apresentou só a inicial da ação com o protocolo dessa entrada. Indaga-se: esse ato por si só é capaz de afastar a inelegibilidade que decorre do pronunciamento do Tribunal de Contas? O TSE disse que não. Uma coisa é alguém ingressar em juízo e, diante da relevância do que articulado, lograr a suspensão desse ato. Outra coisa é simplesmente apresentar uma petição, pouco importando a articulação que se faça, a procedência ou não da articulação.

O julgamento foi baseado no princípio da moralidade?

O princípio da moralidade deve ser considerado caso a caso. Evidentemente, se alguém foi declarado ímprobo, não prestou contas, malversou o dinheiro público, se apossou do dinheiro público, tratou o dinheiro público como se fosse algo privado, evidentemente há a contrariedade, no mínimo, ao princípio da moralidade.

O TSE está mais rígido?

Sem dúvida alguma. O tribunal está disposto a considerar a quadra vivida, que é uma quadra de purificação, alvissareira quanto a dias melhores, e aplicar com rigor a ordem jurídica. Isso abre, até certo ponto, nós não sabemos ainda qual vai ser a conclusão do tribunal, um caminho bem largo para endossar, por exemplo, esses indeferimentos do Rio quanto aos envolvidos no caso dos sanguessugas.

A que o senhor atribui essa mudança da Justiça Eleitoral?

Todos estão agora convictos de que é preciso corrigir rumos. Quando o Judiciário atua, atua considerando o contexto, considerando os fatos e até mesmo os anseios da sociedade. A sociedade não suporta mais continuar com os escândalos que estão aí estampados nos jornais, nos veículos de comunicação.

Muitos escândalos atingiram o governo atual, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera as pesquisas de intenção de voto. O que o senhor pensa disso?

Evidentemente cabe ao eleitor se posicionar. E ele se posicionará mesmo no dia 1º de outubro. Precisamos aguardar. Ao que tudo indica, pelas pesquisas, o eleitor continua acreditando que ele não tem nada com isso.

O senhor acredita nisso?

Não dá para desconhecer que ele é o mandatário maior do País. Isso é um juízo muito individual de cada qual. Temos de aguardar o 1º de outubro.

O senhor tem dito que a época do faz-de-conta acabou. De quem é a responsabilidade por essa mudança?

Isso é decorrência da necessidade de nos apegarmos mais do que nunca ao que está estabelecido na Constituição e na legislação eleitoral. E afastar do cenário o famoso jeitinho brasileiro.

O senhor acha que o Ministério Público está mais atuante?

Sem dúvida. O Ministério Público, depois da Carta de 1988, passou a ter papel fundamental em termos de aprimoramento, em termos de proteção do interesse coletivo. O Ministério Público, a Polícia Federal, a imprensa. A imprensa presta um grande serviço informando os cidadãos. Esse escancaramento que ocorre na atualidade é promissor.