Título: Xerife de preços em versão moderna
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/08/2006, Economia, p. B6

A onda de popularidade na qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surfa rumo à reeleição tem, na sua base, um ex-tucano e ex-executivo de banco estrangeiro: o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Encarregado de manter a inflação na faixa dos 4,5% este ano, ele vai entregar o resultado combinado até com uma certa folga: 3,73%, pelo cálculo mais recente dos bancos. No ano que vem, as apostas são de que a inflação ficará em 4,5%, bem no centro da meta. "Estamos a ponto de quebrar a inércia inflacionária", disse Meirelles ao Estado. "É um fato inédito nos últimos 50 anos."

A inflação baixa proporciona vários dos bons resultados que Lula tem a mostrar na campanha: comida barata e salários em alta. É, também, um fator que anima o investimento das empresas e aumenta os lucros. Dessa forma, elas recolhem mais impostos, que, por sua vez, sustentam os programas de transferência de renda, outro grande trunfo do governo.

"A avaliação que muita gente no mercado faz é que Henrique Meirelles fez um excelente trabalho de reduzir a inflação e, por isso, vemos aumentar a reputação do Banco Central como uma instituição comprometida com a estabilidade de preços", disse o economista-chefe do Itaú, Thomás Málaga. "A estabilidade é fundamental para o orçamento das famílias e se reflete no aumento do bem-estar, de forma que essa é uma fonte de popularidade." Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou queda de 0,7% na renda do assalariado entre junho e julho, mas no ano o saldo ainda é de crescimento de 4,2% em comparação com 2005.

Para o presidente licenciado da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, candidato a deputado federal pelo PTB de Pernambuco, a popularidade de Lula é uma combinação de três componentes: carisma pessoal, inflação baixa e programas sociais. "A inflação baixa aumentou o poder de compra e esse é um fator de muito peso."

Todos esses resultados fazem de Meirelles um dos principais patrocinadores da popularidade de Lula, cujo governo é considerado ótimo ou bom por 52% da população, segundo a última pesquisa Datafolha.

Pela forma implacável como perseguiu seu objetivo, Meirelles pode ser também classificado como uma versão moderna de "xerife dos preços". A diferença é que, em vez de mandar pegar boi no pasto numa tentativa fracassada de manter os preços baixos, ele maneja a taxa de juros para matar a inflação por asfixia - e dá certo.

É, porém, um rótulo que o presidente do Banco Central rejeita. "Não me sinto paladino, nem fiador, nem patrocinador de nada." Os resultados, disse, devem-se à política que o presidente Lula escolheu e deu suporte para implementar.

Mas a derrota da inflação teve seu preço: a taxa de juros elevada e o baixo crescimento. Os dados sobre o crescimento da economia no segundo trimestre do ano que o IBGE divulga na próxima quinta-feira poderão ser um lembrete do custo pago pela sociedade pelo controle da inflação.

"O controle da inflação teve um lado negativo que as pessoas esquecem, que é a economia crescendo pouco por causa da política de juro alto", lembrou o economista Alex Agostini, da Austin Rating. "A taxa nominal é a menor nos últimos 30 anos, mas o juro real continua elevado e é um obstáculo ao crescimento e à atração de investimentos." Para ele, o Banco Central "pecou" por ter sido excessivamente conservador no manejo da taxa de juros.

"A única maneira de reduzir os juros é manter a inflação consistentemente dentro da meta", rebateu Meirelles. Ele acha que as condições para que isso ocorra estão dadas, mas é preciso resistir à tentação de buscar meios alternativos para alcançar o objetivo. "É como uma pessoa que tem uma infecção", comparou. "É preciso atacar a infecção, e não tentar baixar a febre com banho frio." O presidente do BC ressalta, também, que as taxas de juros reais estão abaixo de 10%, o que ainda é um nível alto, mas menor do que o registrado no passado recente. "À medida que a conquista da estabilidade de preços é preservada, abre-se a possibilidade de queda gradual da taxa de juros para padrões internacionais."

Crítico da política de juros altos, Monteiro Neto acha que o setor produtivo pagou o ônus do controle da inflação, pois cresceu menos do que poderia. Mas, na sua avaliação, o responsável pelo problema não é a política de juros, mas a política fiscal (de arrecadação e gastos).

"O BC cumpriu seu papel com competência, mas a política monetária ficou sobrecarregada porque precisou cobrir áreas da política fiscal", disse. "Essa, infelizmente, não tem ajudado o processo de estabilização como poderia, permitindo até uma política monetária mais flexível." O excesso de gastos do governo injeta dinheiro na economia, anima o consumo e, com isso, a inflação ganha fôlego. O remédio é elevar os juros para fazer o processo inverso.

FOGO AMIGO Os bons resultados que embalam os índices de aprovação do governo não livraram a política monetária dos ataques de dentro do próprio governo, o chamado "fogo amigo". Quinta-feira, o vice-presidente José Alencar voltou à carga. "Já derrubamos grande parte do juro básico, mas temos de derrubar mais. Já se tem uma consciência governamental nesse sentido", disse ele em Fortaleza.

Nas outras áreas, porém, os ataques amainaram. Em parte, porque a ordem é evitar conflitos que possam provocar turbulências às vésperas das eleições. Também é fato que a taxa básica de juros vem caindo devagar e sempre desde setembro. Esse fato é ressaltado pelo próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, que, quando dirigia o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criticava o conservadorismo do BC.