Título: Caso Volks não tem acordo sem dor
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/08/2006, Economia, p. B18

O futuro da fábrica Anchieta, um ícone da indústria automobilística brasileira, será selado hoje à noite. Qualquer que seja o acerto entre a direção da Volkswagen e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o que vem pela frente é dolorido. Está em jogo o emprego de 3,6 mil funcionários - quase um terço do quadro atual - ou a interrupção de investimentos na unidade, o que significará o fechamento gradual da maior linha de montagem de carros do País.

O resultado do encontro deve ser apresentado amanhã aos ministros Luiz Marinho, do Trabalho, e Dilma Rousseff, da Casa Civil, que convocaram a montadora para explicar a ameaça feita na segunda-feira de fechar a fábrica. Na terça-feira, será a vez dos trabalhadores avaliarem a proposta em assembléia.

O encerramento da produção na Anchieta, onde são fabricados hoje 900 carros por dia, teria efeito devastador na cidade de São Bernardo do Campo, cujo PIB de R$ 14,5 bilhões é inferior ao faturamento da Volks, de R$ 16 bilhões em 2005.

Dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontam que as 3,6 mil demissões significariam R$ 717,3 milhões a menos na economia por ano, cálculo feito com base no salário médio dos funcionários da Volks (R$ 3,6 mil) e no efeito cascata na cadeia produtiva. Segundo consultores, cada emprego direto gera de cinco a oito vagas nos demais segmentos. Somando Previdência, FGTS e demais encargos, a perda iria para R$ 1,4 bilhão por ano.

A mesma conta feita para a demissão de 6,1 mil trabalhadores - outra ameaça da Volks, caso seu plano de reestruturação não seja aceito - elevaria a perda anual total para R$ 2,3 bilhões. Na hipótese de fechamento da fábrica e eliminação dos 12 mil empregos, a conta chegaria a R$ 4,8 bilhões anuais.

VOLUNTARIADO

Desde terça-feira, Volks e sindicato tentam um acordo que possa amenizar o plano de encolhimento. Na quinta-feira, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopez Feijóo, disse que a situação estava muito difícil. Ele já admitia a dispensa por meio de programa de demissão voluntária (PDV), em que o próprio trabalhador aceita deixar a empresa em troca de salários extras.

O plano inicial da Volks prevê 3,6 mil cortes até 2008, mas a fábrica indica quem sai. Os que ficam terão os benefícios trabalhistas reduzidos e contratações futuras serão feitas com salários menores. Aceitar isso é um duro golpe para os metalúrgicos do ABC, vista como a categoria mais combativa do País.

A Volks queria fechar o acordo na sexta-feira, mas deixou a decisão para hoje. A empresa alega que precisa levar um parecer à matriz no início de setembro, quando será decidido quais fábricas receberão novos investimentos. Com esse argumento, conseguiu fechar um acordo com os 4,5 mil trabalhadores de Taubaté, que aceitaram 700 demissões até 2008. A próxima a ser pressionada será a unidade de São José dos Pinhais (PR), onde a empresa quer eliminar 1,4 mil das 5 mil vagas.

A Anchieta, que nos anos 70 chegou a ter quase 40 mil funcionários, tem conceitos produtivo e de gestão ultrapassados, avalia o especialista José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute, que prega a produção enxuta e eficiente. Enquanto outras montadoras do ABC, como Ford e GM, reestruturaram as operações, a Volks ficou parada. Em parte por causa do acordo de manutenção de empregos em vigor desde 2001, na visão de Ferro, e em parte pelas apostas em produtos que não deslancharam.

O Polo, produzido desde 2002, após investimentos de R$ 2 bilhões, vendeu este ano só 13 mil unidades. O Fox Europa começou a ser produzido em 2005 e deveria ter 100 mil unidades exportadas ao ano, mas ficará bem abaixo disso por culpa do câmbio, alega a montadora.

Os demais modelos feitos na unidade são Gol, também para exportação, e Kombi, que vende em média 1 mil unidades por mês. "Dizer que a fábrica é atrasada é conversa boba", diz Feijóo. O erro foi ter construído mais uma fábrica (no Paraná) em vez de aproveitar a capacidade que o grupo já tinha.