Título: A educação na América Latina
Autor: Claudia Costin
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2006, Espaço Aberto, p. A3

A desigualdade, a ineficiência e os baixos níveis de aprendizado ainda são características de quase todos os sistemas educacionais da América Latina, inclusive o do Brasil. Apesar de esses países apresentarem aumento no número de crianças em sala de aula e terem investido mais em educação nos últimos anos, o progresso educativo na região se mantém insatisfatório. Esta análise, contemplada no estudo Quantidade sem Qualidade, do Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe (Preal), cuja revisão e impressão no Brasil ficou a cargo da Fundação Victor Civita, mostra que a qualificação do processo de aprendizagem, a melhoria no trabalho dos educadores e dirigentes de instituições, os investimentos em capacitação e infra-estrutura serão o grande desafio do Estado nos próximos anos.

Na última década, a universalização da educação brasileira permitiu que uma legião de excluídos tivesse a oportunidade de freqüentar uma sala de aula. Mais de 97% das crianças passaram a ter acesso à educação. No início dos anos 1990, este índice era de 84%; em 1930, apenas 21,5% estavam na escola.

Uma análise focada nestes índices nos levaria a pressupor que o Brasil progrediu como deveria no campo da educação. No entanto, o desempenho brasileiro em testes nacionais e internacionais prova que a realidade é bastante diferente. Para se ter uma idéia, o País ficou entre os últimos lugares no Programme for International Student Assessment (Pisa) de 2000 e 2003. O teste mede a capacidade de leitura e aprendizado de Matemática e Ciências entre jovens de 15 anos de mais de 40 países. O desempenho inferior aos níveis aceitáveis é comum entre os países da América Latina que participaram da prova.

A má qualidade da educação ainda é percebida como vinculada à ausência de verbas para o setor. Mas o cenário é bem mais complexo. Os gastos com educação no Brasil equivalem a 4,3% do produto interno bruto (PIB), enquanto a média nos países desenvolvidos, reunidos na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é de 4,9%. Alemanha, Irlanda e Japão investem uma porcentagem de seu PIB menor que o Brasil. O que ocorre é um misto de insuficiência de recursos para de fato mudar a situação, como o fizeram no passado a Coréia do Sul e o Japão - que por anos investiram expressivamente mais do que hoje -, e péssima gestão dos recursos disponíveis.

Persiste uma inadequação nas políticas públicas e, sobretudo, na gestão de escolas, projetos que apliquem com eficácia os atuais recursos. Menos de 30% dos municípios brasileiros têm preparado um planejamento com definição de prioridades e metas de ensino, conforme sugere a lei. Isso é uma amostra de que os governos ainda medem a eficiência da educação em seus países pelo investimento e pelo número de alunos em sala de aula, fechando os olhos para o que realmente interessa: a qualidade do ensino.

Apesar de a maioria dos países latino-americanos estar desenvolvendo padrões nacionais de educação, essa iniciativa ainda é embrionária. O que há hoje são currículos obrigatórios, que funcionam como um guia de conteúdos para educadores sem nenhuma preocupação com o nível mínimo de aprendizagem. Falta introduzir reformas sistemáticas que possam mudar todo o panorama da educação.

O Brasil já deu um primeiro passo neste processo ao adotar uma cultura de avaliação, que permitiu entender quais são os gargalos do ensino brasileiro. O Prova Brasil - o antigo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) -, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) - o antigo Provão - e até a participação no Pisa são já um termômetro para avaliar a qualidade do ensino. Recentemente o governo publicou os resultados de forma detalhada da primeira edição do Prova Brasil. A iniciativa é um avanço em relação à sua antecessora por permitir avaliar o desempenho de cada uma das instituições de ensino e ver em que a educação está falhando.

Há ainda o problema da gestão das escolas, como mostrou claramente reportagem publicada pelo Estado em 9/7 intitulada As crianças já estão na escola; agora só falta elas aprenderem. As instituições abriram suas portas para a universalização do ensino, no entanto, não se prepararam para receber as crianças. Assim, temos escolas desestruturadas, com alto índice de abstenção de seus professores e com profissionais nem sempre em condições de lecionar.

O grande desafio é criar mecanismos que garantam a qualidade da educação. Investir fortemente na capacitação de professores, a partir de um diagnóstico mais claro das dificuldades de seus alunos, tal como registrado na Prova Brasil, pode mostrar-se um caminho importante. A introdução de uma cultura de gestão escolar focada na melhoria da aprendizagem pode ser obtida não apenas com novos instrumentos que aumentem a autonomia e a responsabilidade de diretores de escola, mas também com intensa capacitação destes profissionais. Incentivar o hábito de leitura tanto de alunos quanto de professores, reforçando bibliotecas escolares e sua articulação com bibliotecas municipais, construir o caminho para a universalização da pré-escola - principal elemento de eliminação das diferenças de origem socioeconômica no desempenho de crianças na primeira série - e do ensino médio - fator importante para a melhoria da nossa força de trabalho e para retirar jovens de situação de pobreza e exposição à violência - são algumas outras questões sobre as quais qualquer política pública competente se deve debruçar candidamente. Caso contrário, programas como o Bolsa-Família podem, sim, ter algum impacto de redistribuição de renda, mas tenderão a eternizar uma relação de dependência em que cada assistido atual verá seus filhos e netos merecendo a piedade e a caridade públicas.