Título: Morre em SP d. Luciano, aos 75 anos
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2006, Vida&, p. A13

O arcebispo de Mariana, d. Luciano Mendes de Almeida, morreu ontem às 18h15, em São Paulo, após longa luta contra um câncer no fígado. D. Luciano, de 75 anos, estava internado desde o dia 17 de julho no Hospital das Clínicas. Seu quadro clínico apresentou piora no dia 9, o que levou à sua transferência para a Unidade de Terapia Intensiva. Ele permaneceu sedado nos últimos 12 dias.

De acordo com o seu médico pessoal, Dalton Chamone, hematologista do HC, d. Luciano sofria da síndrome hepatorrenal, que se manifesta quando o fígado entra em falência e, conseqüentemente, os rins param de funcionar. A síndrome é causada pelo câncer no fígado. O corpo de d. Luciano começou a ser velado ontem à noite na Catedral da Sé. Hoje, às 9 horas, será realizada uma missa de corpo presente na Sé, celebrada pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Cláudio Hummes. À tarde, o corpo de d. Luciano será levado de avião para Belo Horizonte e, em seguida, transportado de carro para Mariana. Ele será enterrado na manhã de quarta-feira, na Catedral de Mariana, após a realização de uma missa campal.

A voz mansa e o sorriso constante disfarçavam o cansaço e a fraqueza física de d. Luciano, um homem de corpo franzino e ombros curvados que, aos 75 anos, carregava o peso de noites mal dormidas e de viagens contínuas. De saúde frágil e agenda cheia, jamais se rendeu.

Bispo em São Paulo, secretário-geral e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo de Mariana, seus principais cargos ao longo de 30 anos de episcopado, esse jesuíta que trocou o conforto e o luxo de uma família nobre e rica por uma vida de privações foi um religioso fiel à sua vocação e à Igreja.

Nasceu no Rio em 5 de outubro de 1930 e entrou na Companhia de Jesus em 1947.

SOCORRO AOS POBRES ¿Um santo¿, testemunham seus amigos. Entre eles o cardeal d. Paulo Evaristo Arns, o arcebispo de São Paulo que em 1976 conseguiu do papa Paulo VI sua nomeação para bispo auxiliar. D. Luciano tinha 46 anos de idade e 18 de sacerdócio quando foi encarregado de cuidar da região episcopal de Belém, na zona leste da capital.

Responsável pela Pastoral do Menor, varava madrugadas socorrendo pobres nas ruas. ¿Chegou, um dia, a levar um mendigo para dormir em sua cama, enquanto ele se deitava no chão¿, revelou d. Paulo em sua autobiografia (Da Esperança à Utopia, 2001), ao explicar por que d. Luciano costumava ressonar em reuniões.

Era uma cena que se repetia manhã, tarde e noite no plenário, não importando quem fosse o orador. Enquanto os bispos falavam, ele dormia. Quando chegava a sua vez, pedia um minuto e, em seguida, descrevia com precisão o que cada um havia dito e tirava sua conclusão. ¿Tudo se grava em minha mente e eu leio o que disseram¿, assim d. Luciano explicou o ¿fenômeno psicológico¿ que d. Paulo não conseguia entender.

Eleito presidente da CNBB em 1987, quando ainda era bispo auxiliar, d. Luciano chegou ao cargo após ter ocupado a secretaria geral da entidade por oito anos. Somados os quatro anos do segundo mandato na presidência (1991-1995), foram 16 anos na cúpula do episcopado brasileiro.

Irmão do professor Cândido Antônio Mendes de Almeida, reitor da Universidade Cândido Mendes, d. Luciano era homem afeito ao diálogo sem, no entanto, abrir mão da firmeza que as negociações exigiam. Foi contundente e firme sobretudo na defesa dos direitos dos perseguidos, como, por exemplo, no caso de padres presos e torturados durante a ditadura.

Teólogo formado pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde também defendeu sua tese de doutorado em Filosofia, d. Luciano teve papel de destaque em comissões do Vaticano e em reuniões do episcopado latino-americano.

Esperava-se que o presidente da CNBB fosse nomeado arcebispo de Salvador, e em seguida cardeal, quando João Paulo II o mandou para Mariana. Embora se tratasse de uma das dioceses mais antigas e tradicionais do Brasil, essa designação foi atribuída a uma suposta falta de consideração do papa. D. Luciano discordou. ¿Estou em paz, feliz em obedecer e desejoso de servir¿, reagiu, ao assumir a nova missão.