Título: O juro e o preço do dólar
Autor: Rubens Penha Cysne
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2006, Economia, p. B2

O preço do dólar tem caído desde 2003. Discute-se, vez por outra, se tal fato ocorreu em razão do saldo altamente positivo do balanço comercial ou por causa de um possível influxo de capitais gerado pelas elevadas taxas de juros.

Os defensores da primeira alternativa (valorização devida a um balanço cambial altamente positivo) argumentam que as contas externas não indicam uma substancial entrada líquida de capitais, mesmo nos pontos de mais elevadas taxas de juros, como em setembro de 2004. E que o rendimento real esperado da arbitragem internacional de capitais para o Brasil, quando corrigido pelas incertezas do câmbio, não é tão atraente quanto se propaga.

Lembremos alguns episódios relacionados a juros e câmbio, ainda que em circunstâncias totalmente diversas das atuais (o que não é problema para o nosso objetivo).

Quando Armínio Fraga assumiu a presidência do Banco Central, no início de 1999, e, acertadamente, dobrou a taxa de juro temporariamente para 45% ao ano, a maior do mundo, não precisava saber se o saldo da conta de capitais era positivo ou negativo, nem se o juro real esperado da aplicação externa no Brasil era positivo ou negativo. Bastava observar que a liberação do câmbio, no dia 15 de janeiro, estava a gerar uma elevação descontrolada do preço do dólar. O instrumento de controle eram os juros, e ponto final. Para isso era suficiente conhecer a farta evidência empírica internacional que mostra que a sensibilidade marginal do fluxo de capitais à taxa de juros é positiva em qualquer época recente e em qualquer lugar do mundo.

Um pouco de observação histórica pregressa ao ano de 1999, quando da crise financeira na Ásia, em 1977, mostra o mesmo tipo de atitude. Na Coréia do Sul, por exemplo, o preço do dólar passou rapidamente de menos de mil wons para aproximadamente 2 mil wons. Para evitar a trajetória explosiva, as taxas de juros foram elevadas para 35%. Como requer a teoria, e como no caso brasileiro, também pelo período de tempo estritamente necessário para reverter o problema de comportamento de rebanho das expectativas.

Por definição, quem eleva os juros acha que a taxa inicial está baixa. Portanto, para esses formuladores de política econômica, a taxa estava baixa naquele ponto do tempo, independentemente do nível então existente do fluxo de capitais ou do rendimento esperado dos investidores. O que interessava era que o fluxo de capitais tinha caído abruptamente, e não o seu nível inicial. O mesmo se aplicava aos rendimentos reais esperados dos investidores.

Como a distinção, fundamental para economistas, entre variações e níveis (o conceito de marginalidade), bem como os fatos acima relatados podem nos ajudar na análise da situação atual do preço do dólar?

Primeiro, deixando clara a grande diferença que existe entre dizer que a elevação da demanda externa pelas nossas exportações ajudou a valorizar o câmbio (o que é correto) e que ¿o câmbio se valorizou em função da entrada de dólares do balanço comercial¿. Tal diferença fica clara, em particular, quando se observa que o primeiro argumento, marginal, de variação de demanda, se aplica seja quando os saldos comerciais são positivos ou negativos. Por outro lado, como os preços e as quantidades se determinam simultaneamente, dizer que o câmbio se valorizou em razão de saldos comerciais positivos é como dizer que o paciente vítima de atropelamento morreu porque o seu coração deixou de bater. A afirmativa é identicamente correta, mas desprovida de conteúdo informativo. Em particular, não ajuda a vislumbrar o fato de que o câmbio deverá desvalorizar-se quando se reduzir a demanda externa pelos nossos produtos, independentemente de o saldo comercial à época ser positivo ou negativo.

Os exemplos acima, ainda que em circunstâncias diversas das atuais, ajudam a esclarecer o fato de que não é producente tentar inferir se o atual patamar de juros é ou não responsável pela valorização cambial. Sistemas de equações com inúmeras variáveis em geral não são recursivos e, conseqüentemente, não permitem soluções desta forma causal, discursiva. O importante é saber se, de forma macroeconomicamente consistente, o juro pode ou não cair. Isto posto, não há necessidade de trazer à discussão se os fluxos de capitais são positivos ou negativos, ou se o retorno esperado dos investidores está acima ou abaixo de zero. É perda de tempo.

No contexto aqui exposto, em que não se questiona a reposta marginal positiva dos fluxos de capitais aos diferenciais de rendimentos, para afirmar que o câmbio está valorizado em razão dos juros elevados, basta poder admitir que os juros poderiam ser mais baixos, sem que com isso a política de metas de inflação fosse ameaçada. Como para que isto ocorra há a necessidade de medidas complementares na área fiscal, conclui-se que toda esta discussão atual a respeito do reflexo dos juros sobre o câmbio, na verdade, apenas reflete a percepção implícita de cada indivíduo sobre tais medidas complementares serem ou não factíveis.