Título: 'No Brasil, cliente é comprado em leilão'
Autor: Sonia Racy
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2006, Economia, p. B3

Pelo jeito, as preces do ministro Guido Mantega por maior concorrência no setor bancário estão prestes a serem atendidas. O Banco Santander prepara uma ¿armada¿ para conquistar o consumidor e ser a melhor instituição do Brasil. Somente agora, depois de cinco anos de trabalho, o banco finalizou a incorporação total do Banespa ao Santander, fato que tem sido encarado como uma nova era na instituição.

¿Não é por acidente que temos adotado uma postura mais comercial. Estamos preparados para a competição e sentimos grande vontade para fazer isso. É o momento correto, o sistema está apto, a economia, o País. É agora ou nunca¿, afirmou Gabriel Jaramillo, presidente do Santander Banespa. Embora não tenha a pretensão de ser o maior do Brasil, ele afirma que a instituição tem potencial para seguir os passos do controlador, que em dez anos saiu da posição 156ª para se tornar o 12º do mundo e maior da Zona do Euro.

Em entrevista ao Estado, o colombiano, que preside a instituição espanhola no Brasil desde 2000, aplaude as medidas costuradas pelo Ministério da Fazenda a serem anunciadas esta semana, para dar mais liberdade ao cliente na escolha do banco onde quer ter a conta. Para ele, o Brasil é um dos únicos países do mundo onde se ¿compra¿ clientes em leilão.

Recentemente, aliás, o Santander Banespa perdeu a conta dos funcionários do Estado para a Nossa Caixa. Nenhuma surpresa, estava estabelecido no processo de privatização. Mas o banco não se conformou e abriu fogo contra o concorrente. Além de isentar o funcionário estadual de tarifa, desenhou produtos diferenciados para a sociedade, como o cartão com taxa de juros pela metade e o crédito imobiliário com prestações fixas do início ao fim do contrato.

No primeiro semestre deste ano, o Santander Banespa teve um lucro de R$ 472 milhões - valor 53,2% inferior a 2005. Mas o aparente mau resultado se deve a um ganho extraordinário obtido pelo banco no ano anterior. Sem o resultado extra, o lucro de 2006 teria subido 26%. Mas a rentabilidade sobre o patrimônio, de 12%, é baixa. A média do setor está acima de 21%. Aqui vão os principais trechos da entrevista:

Quando o Santander chegou ao Brasil, uma das propostas era criar concorrência no mercado era reduzir os juros no País. Isso não ocorreu. Por que ?

Os juros têm tido queda. Isso é inquestionável. É uma resposta a uma disciplina fiscal e uma política monetária consistente. Em 1996 tínhamos um spread médio de mais de 50%. Hoje há tendência de queda. Mas, como saiu de um patamar elevado, o spread ainda é alto no Brasil. É uma preocupação não só da sociedade como também dos banqueiros, pois quanto mais baixo o spread, maior será o volume de crédito. Esse é o melhor negócio. A explicação para o spread alto é conhecida: o nível alto de tributação, compulsórios e inadimplência. O que podemos fazer para melhorar? O cadastro positivo é uma medida proativa, correta e boa para reduzir a inadimplência. Esse instrumento permitirá ser mais seletivo e mais correto.

Que outras medidas são necessárias para reduzir o spread?

Estamos num momento espetacular em termos de concorrência. O nível de competição, sofisticação, agressividade dos bancos é alto no Brasil. O sistema não está acomodado, está crescendo a ritmos fortes. Estamos experimentando novas coisas, tratando novas idéias, entrando em novas segmentos da população, com diferentes estratégias. Mas chegou o momento desse nível de competição ser levado a um outro patamar. Temos um conjunto de instituições muito potente, saudável, bem capitalizado, com envergadura e bom gerenciamento. Mas como podemos implementar a concorrência? É preciso igualar as regras do jogo e trabalhar nesse tema.

Isso não existe no Brasil?

As medidas propostas para que essa concorrência ocorra no mercado são bastante positivas. A portabilidade é a oportunidade do funcionário de fazer a livre escolha e pegar empréstimo onde quiser. Hoje ele não tem essa oportunidade. É um tema muito importante. O Brasil é um dos únicos lugares do mundo, em termos de relevância, onde a pessoa não tem a liberdade de receber seu salário no banco de sua escolha. É a empresa que decide. As medidas que estão sendo tomadas dão para a pessoa a oportunidade de, uma vez que a empresa pagou num banco, ela tenha facilidade, sem interferência e conhecimento da empresa, para transferir seu dinheiro para onde quiser. A racionalidade me leva a pensar que as pessoas vão escolher onde tem as melhores condições

O spread cairia se as regras fossem iguais?

Sim. As condições de jogo não são iguais para o comprador de serviços financeiros, o consumidor. Hoje o custo para você transferir dinheiro de um banco para o outro muitas vezes não compensa as ofertas do mercado. Pode não ser um bom negócio. O que significa igualar as regras do jogo? Significa que as pessoas possam mudar de banco com facilidade e sem nenhum ônus. Você vai tomar decisão de ficar no seu banco porque você gosta ou ir para outro se lhe oferecerem serviços melhores.

E a questão dos impostos e compulsórios?

Impostos e compulsórios representam uma parcela importante do spread. O governo vai cortar os dois, mas vai ocorrer no ritmo de um País em processo de convergência. Não cabe pensar que um País que chegue a convergência não arrume todas essas coisas antes. Mas tampouco cabe pensar que se arrume tudo isso agora.

O Santander já tem um pacote de propostas, um ímã de atração ao cliente para quando essas medidas forem aprovadas?

Já estamos um pouco à frente no sentido de criar produtos diferenciados e arrojados. Nos antecipamos, por exemplo, no lançamento do Super Casa 10 e do Super Casa 20. São produtos inovadores. Temos um grande potencial no crédito imobiliário, que será materializado com juros baixos e condições jurídicas corretas. Acho que todos os passos para que isso ocorra estão sendo dados. As condições fundamentais para que o crédito imobiliário no Brasil decole estão dadas. Há muito espaço para crescer. Hoje o crédito imobiliário representa 2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Nos Estados Unidos, representa 80%.

Todos os bancos estão se preparando para a caça aos clientes?

Do meu ponto de vista, o que fará a diferença é o sistema parar de comprar clientes e começar a encantar clientes. Hoje compramos clientes em leilões. Isso parece normal aqui, mas em outro país dizer que a conta de uma terceira pessoa está sendo negociada num leilão é um conceito que leva a pensar em coisas como o último vestígio da escravidão.

O governo tem reclamando que os bancos não reduzem os spreads na mesma velocidade da Selic.

O spread médio não tem tido uma queda nos últimos meses. Isso tem causado atrito. Mas quando vemos o spread de determinados produtos há uma queda. Reduzir em 50% os juros do cartão de crédito, como foi o nosso caso, no Santander Light. É um passo que está relacionado com o sistema de competição. A inadimplência subiu porque o crédito tem subido. O crescimento do crédito tem sido muito forte, por isso a inadimplência sobe. Seria mais saudável um sistema com cadastro positivo. Essa medida daria aos bancos uma situação melhor para separar os bons dos maus pagadores e fazer melhores ofertas.

O que queriam fazer quando chegaram aqui e não conseguiram?

Chegamos ao Brasil comprando quatro instituições e fizemos uma modernização desses bancos. Este mês estamos funcionado todos esses bancos como Santander Banespa. Foram cinco anos de transformação e modernização. E agora não é acidental que temos essa postura comercial. Estamos preparados para a competição e sentimos vontade para fazer isso. É o momento correto, o sistema está apto, a economia, o País. É agora ou nunca.

Quais os planos para o futuro?

Daqui para frente nosso plano é externo, voltado para o consumidor. Fizemos várias coisas ao mesmo tempo: crescemos, transformamos e modernizamos. Agora chegou a parte externa do mercado. É o foco que temos. Um Santander mais agressivo, mais presente.

Qual a estratégia de posicionamento do Santander?

Seremos o melhor banco no Brasil.

Qual a perspectiva para a Selic neste ano?

Projetamos uma Selic de 13,75% e PIB entre 3,7% e 4%. Sou otimista.