Título: Empresas brasileiras já têm perdas
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2006, Internacional, p. A21
O conflito entre Israel e o Hezbollah já começa a interferir nos negócios de empresas brasileiras que mantêm relações comerciais com o Líbano. Nos 17 dias de conflito, Israel bloqueou os portos libaneses, isolando o Líbano do restante do mundo. Além disso, o medo de novos ataques fez com que o comércio de Beirute fechasse as portas - embora a zona de conflito se concentre na região sul, e a maior parte das áreas comerciais e residenciais se localizem na parte norte da cidade.
Não há estimativas precisas sobre as perdas financeiras do Brasil com a guerra, mas empresas produtoras de bens de consumo cancelaram envios de mercadorias para o Líbano.
"Enviamos um contêiner para o Líbano pouco antes de o porto de Beirute ser fechado. Agora, há um lote de mercadorias parado em algum lugar, não temos a mínima idéia de onde o navio está", reconhece Ulrich Kuhn, diretor de Exportação da Hering. Em maio, a empresa de confecções havia inaugurado a sua oitava loja franqueada no Líbano, país onde está presente desde o ano passado. "Para este ano, nossa previsão era embarcar US$ 500 mil em mercadorias para as franquias. Destes, cerca de US$ 290 mil já embarcaram", conta. A empresa já considera que deixará de faturar os US$ 200 mil restantes, o que não chegará a trazer grande impacto sobre sua receita com exportações. Em 2005, a Hering exportou US$ 300 milhões, e o Líbano representa 1,5% desse montante.
"O Líbano é um mercado limitado, mas interessante para quem pretende diversificar as exportações. Nem tivemos de fazer adaptações nos produtos que enviamos para lá, pois os libaneses têm um estilo de vida mais ocidentalizado", explica Kuhn.
A Liz, que fabrica lingeries e exporta 5% de sua produção para o Líbano, também não tem mais embarques programados até o fim do conflito. Há três anos a empresa mantém um distribuidor em Beirute que, apesar dos ataques, tem feito os pagamentos em dia.
"Com a manutenção dos conflitos, não conseguiremos embarcar mais mercadorias para lá. Se tudo piorar, penso até em sair do Líbano", afirma Carlos Maurício Rosset, presidente da Liz. A empresa embarcava mercadorias para o Líbano a cada dois meses.
Segundo Rosset, apesar das tensões, o Líbano era um mercado que vinha crescendo. "A mulher libanesa gosta muito de lingerie e o mercado de lá acompanha nosso ritmo de exportações, que em 2005 cresceu 57% em relação ao ano anterior", diz o empresário, sem revelar números de faturamento e exportações.
O Grupo Bertin, um dos maiores exportadores de carne bovina brasileiro, com presença em 80 países, confirmou, por meio de uma nota, que já teve negócios prejudicados por conta do conflito no Líbano. "Há contêineres da empresa voltando para o Brasil e outros parados nos portos brasileiros por conta do fechamento desse mercado e paralisação dos contratos vigentes", informa a nota.
VITRINE
Além de produtos têxteis, o Líbano tem importado cada vez mais produtos brasileiros, como carne bovina, café em grão, vidro, açúcar, celulose e papel e até mesmo gado vivo - os bois são exportados com vida para serem abatidos segundo normas islâmicas. Segundo Guilherme Mattar, diretor da Câmara de Comércio Brasil-Líbano, o que mais aflige o órgão não é tanto a suspensão temporária de contratos, mas sim a questão humanitária. No entanto, as empresas brasileiras se mostram dispostas a ajudar.
"Temos manifestações de empresas dispostas a doar seu trabalho para um esforço de reconstrução do país. São empresas dos setores de infra-estrutura básica, como construção e telecomunicações", diz Mattar.
A Câmara vinha trabalhando para estreitar as relações comerciais entre o Brasil e o Líbano. Tinha planos de abrir um escritório em Beirute ainda este ano e também preparava um evento esportivo para aproximar executivos brasileiros e libaneses. Desde o início de 2000, quando teve início o processo de reconstrução do Líbano, as exportações brasileiras para o Líbano só cresceram. Segundo números da Secex, saltaram de US$ 55 milhões, em 2000, para US$ 118 milhões no ano passado. No total, o Líbano importou US$ 9 bilhões em 2005.
Embora seja um mercado pequeno - a população libanesa gira em torno de 3,5 milhões de pessoas - o Líbano é uma espécie de vitrine para os produtos brasileiros, por conta de ter um fluxo grande de turistas durante o verão. Além disso, o Líbano é um avançado centro financeiro, que administra as fortunas dos ricos dos países árabes no entorno.