Título: Melhor opção dos EUA é pacto com a Síria
Autor: Simon Tisdall
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2006, Internacional, p. A23

Um dia sombrio no Oriente Médio produziu uma faísca de esperança: a insistência de Kofi Annan, apoiado pela anfitriã Itália e outros participantes da conferência de Roma, na quarta-feira, de que a paz duradoura no Líbano exigiria o "envolvimento construtivo" de todos os países da região, incluindo a Síria e o Irã. "Observando o quadro mais amplo, fica claro que precisamos de um novo impulso para uma paz abrangente", disse o secretário-geral da ONU. "Sem isso, estaremos apenas ganhando tempo até a próxima explosão."

As palavras de Annan soam como declaração do óbvio. E a Síria e o Irã têm dito repetidamente que nenhum acordo no Líbano pode vingar sem eles. Mas, por suas próprias razões geoestratégicas, os EUA continuam a ignorar os dois países que o governo americano culpa por armar e ajudar a milícia xiita libanesa. Têm ocorrido contatos tímidos com a Síria por meio da Embaixada dos EUA em Damasco. Já com Teerã, membro fundador do "eixo do mal" definido por Bush, não há nada.

Mas a cada dia surgem mais motivos para a busca do envolvimento direto iraniano e sírio, à medida que os EUA e Israel afundam num problema cada vez maior. O circo romano de quarta-feira sublinhou mais uma vez as divergências internacionais sobre como pôr fim aos combates e policiar a fronteira entre Israel e o Líbano. Nenhum dos participantes tem qualquer vontade de desarmar o Hezbollah à força.

O contexto mais amplo - advertências sauditas sobre conflagração regional, um possível levante xiita contra as forças anglo-americanas no Iraque, a violência crescente em Gaza, um grande impulso de recrutamento da Al-Qaeda, mais ataques terroristas suicidas em cidades ocidentais e novos choques de petróleo globais - reforça ainda mais o argumento em favor de uma mudança de curso.

Além disso tudo, regimes árabes pró-ocidentais com graus variados de ilegitimidade perguntam por quanto tempo poderão evitar que a indignação popular com a destruição do Líbano assuma um caráter de insurreição. O Egito e a Arábia Saudita têm pressionado discretamente por uma abertura à Síria, dizem diplomatas.

Reconhecendo o perigo, comentaristas americanos conservadores conclamam Bush a fazer uma oferta irrecusável ao presidente sírio, Bashar Assad: uma grande barganha que concederia à Síria o cobiçado status de potência regional e anularia sua aliança com o Irã.

Em troca da suspensão do fornecimento de armas e do apoio político e financeiro ao Hezbollah, dizem eles, os EUA ofereceriam à Síria a normalização das relações e o fim das sanções bilaterais. Outros incentivos incluiriam a desaceleração do inquérito sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafic Hariri, no ano passado, e o diálogo renovado sobre as Colinas do Golan, tomadas por Israel em 1967.

"A grande jogada estratégica é tentar afastar a Síria do Irã e trazê-la de volta ao âmbito árabe sunita. É isso que vai virar o jogo", disse o colunista Thomas Friedman. "Qual seria o preço sírio? Valeria a pena descobrir. Afinal, a Síria abriga os líderes do Hamas. É a ponte territorial entre o Hezbollah e o Irã. E é o refúgio seguro dos insurgentes baathistas do Iraque."

Nadim Shehadi, especialista em Oriente Médio do centro de estudos Chatham House, disse ser possível que Bush recorra à Síria como saída para a crise, mas só porque todas as outras opções dos EUA e Israel são ainda piores. "Seria uma capitulação. Poderíamos chamá-la de capitulação leve, mas seria a mesma coisa. Seria o fim da agenda regional americana", afirmou. E a Síria nunca abandonaria totalmente o Hezbollah. Nem romperia com o Irã. "É ingenuidade acreditar que o país faria isso. O único motivo de a Síria não estar sob ataque agora é sua aliança com o Irã."

Forjar um acordo com Damasco para superar o impasse poderia ser mais atraente para Washington do que aceitar um cessar-fogo que seria retratado como uma vitória do Hezbollah, disse Shehadi. E é melhor que a outra alternativa, um "confronto direto com o Irã e a Síria que poderia levar a uma guerra mundial". O maior perigo, afirmou ele, é que Bush poderia sofrer um "momento Édipo" e, decidido a evitar a repetição do suposto erro do pai ao deixar Saddam Hussein no poder depois da Guerra do Golfo, em 1991, atacar o Irã antes que o país obtivesse a bomba atômica.

Nesse contexto, envolver o Irã, como pediu Annan, parece uma idéia ainda mais difícil de vender. O preço do Irã pela colaboração incluiria um entendimento sobre seu programa nuclear suspeito - o que provavelmente seria inaceitável para os EUA. Mesmo assim, o Irã não abandonaria o Hezbollah. O ex-presidente Mohammad Khatami elogiou o grupo recentemente como "um sol brilhante que ilumina e aquece os corações de todos os muçulmanos e defensores da liberdade do mundo". E ele é um moderado.