Título: Para intelectuais, faltava debate
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2006, Nacional, p. A5
A notícia de que o governo pretende rever seu apoio à Lei de Cotas e ao Estatuto da Igualdade Racial foi bem recebida entre os intelectuais que assinaram o documento entregue ao Congresso, na semana passada, pedindo aos parlamentares que votem contra os projetos. "Essa e outras reações que estamos vendo desde que divulgamos nosso manifesto confirmam que os projetos estavam sendo implementados sem o necessário debate público", disse a pesquisadora Yvonne Maggie, professora titular de antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Yvonne foi uma das articuladoras do manifesto dos intelectuais e uma das escolhidas para entregá-lo ao Congresso em Brasília. Na opinião dela, existia até agora uma espécie de açodamento para aprovar logo as leis. "Todo mundo quer acabar com o racismo e as desigualdades. Por isso quando apareceu essa solução aparentemente mágica, todo mundo quis adotar logo, sem perceber o efeito bumerangue que ela tem: quando começarmos a falar em raça e definirmos alguém juridicamente pela cor de sua pele, estaremos instituindo oficialmente as raças e abrindo um caminho mais largo para o racismo."
Em relação à proposta do governo de batalhar por cotas sociais, em vez de raciais, a pesquisadora observou: "Acho que as universidades públicas devem mesmo rever seus critérios de acesso e favorecer a eqüidade, mas não utilizar marcadores raciais. Todas as vezes na história em que se tentou fazer isso os resultados foram ruins. Mas essa não é a questão fundamental. Na minha opinião o fundamental é investir mais na qualidade do sistema de ensino e ampliar as vagas nas universidades públicas. Hoje, no conjunto de 4 milhões de pessoas no ensino superior, o governo é responsável por apenas 20% das matrículas, o que é muito pouco."
Na opinião da professora de antropologia da UFRJ, em vez de defender cotas raciais, o governo e os movimentos sociais deveriam se empenhar no combate a qualquer forma de racismo. "Até hoje nunca fizemos uma grande campanha nacional contra o racismo. Porque não começamos a afirmar, antes de cada jogo de futebol, como ocorreu na Copa do Mundo, que as raças não existem?"