Título: Mais encrencas no Mercosul
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2006, Economia, p. B2

Um dos efeitos da entrada formal da Venezuela no Mercosul, tal como celebrada terça-feira em Caracas, foi aumentar de quatro para cinco o número de gatos dentro desse saco.

O bloco já estava em crise permanente. Agora, do ponto de vista estritamente geopolítico, aumentou o potencial de encrencas dentro dele.

Dada a especial amizade curtida entre os presidentes Néstor Kirchner, da Argentina, e Hugo Chávez, da Venezuela, o Mercosul agora incrementado tenderá a puxar as brasas para sardinha dos dois gatos médios. O presidente Lula parece ter entendido a nova dinâmica de grupo e já não esconde as manobras para evitar excessiva exposição na companhia de Chávez.

Mesmo sem a ratificação do Protocolo assinado terça-feira em Caracas, procedimento que exige tempo, a Venezuela já pode integrar qualquer delegação do Mercosul incumbida de negociações comerciais. Portanto está em condições de influenciar as decisões.

Desde logo, é preciso separar razões de Estado e razões de governo. É claro que a Venezuela no Mercosul dará mais densidade econômica e política ao bloco. Com a nova adesão, a ficha técnica do Mercosul apresenta uma área geográfica de quase 13 milhões de quilômetros quadrados, uma população total de 250 milhões de pessoas, um bolo econômico (PIB) de mais de US$ 1 trilhão por ano e uma corrente de comércio (exportação mais importação) de pelo menos US$ 310 bilhões em 2006.

Mais do que isso, na condição de exportador de 2,6 milhões de barris diários de petróleo (o terceiro da Opep) e detentor de 80 bilhões de barris de reservas recuperáveis de petróleo, a Venezuela dá ao Mercosul o status de potência energética. Agora é possível pensar na integração energética do bloco.

O problema está no fator desagregador que o atual governo venezuelano liderado pelo presidente Chávez (e não o Estado venezuelano propriamente dito) exercerá dentro do Mercosul. Embora a Venezuela exporte a maior parte do seu petróleo para os Estados Unidos, o presidente Chávez não esconde que pretende torpedear qualquer acordo comercial com aquele país. Como não dá para esnobar o maior mercado do mundo (os Estados Unidos importam US$ 1,5 trilhão por ano), o Brasil não pode embarcar nessa canoa.

Chávez tem usado seus fartos petrodólares para comprar influência. Dentro do Mercosul, já adquiriu US$ 3 bilhões em títulos da dívida argentina, sem tomador depois do calote passado com a renegociação. E está estudando a recompra da dívida do Paraguai com Itaipu, com o que o Brasil se tornaria um credor de um criador de casos.

As autoridades comerciais da União Européia, que também negocia um tratado de livre comércio com o Mercosul, já deram a entender que a presença da Venezuela no bloco muda substancialmente as coisas. Do ponto de vista deles, isso significa que o sucesso dessas tratativas parece agora mais difícil.

Enfim, a Venezuela é bem-vinda no Mercosul. Mas sua entrada poderia ficar para quando fosse governada com mais responsabilidade geopolítica.