Título: Sinais de fadiga da velha fórmula
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/07/2006, Espaço Aberto, p. A2
Com o argumento de que o "déficit da Previdência Social" seria agravado em R$ 7 bilhões este ano, o presidente da República vetou na semana passada o aumento de 16,6% (em lugar de 5%, como propõe o governo) para as aposentadorias de trabalhadores do setor privado superiores ao valor do salário mínimo. E estamos conversados - sem sequer discutir valor e razões reais do déficit da Previdência, muito menos a injustiça que se vem cometendo contra essa parcela dos aposentados, que a cada ano vê seus proventos serem reduzidos em valor real.
Não se tomou conhecimento das informações que têm sido divulgadas pelas entidades de servidores da Previdência e do Fisco, mostrando que o cálculo do déficit que vem sendo apresentado quase sempre leva em conta apenas a diferença entre contribuições diretas para a Previdência em 2005 e os gastos com aposentadorias, sem considerar outras fontes, como a CPMF e a contribuição sobre o lucro líquido das empresas. Somadas estas, haveria superávit de R$ 27 bilhões - sem falar de R$ 25 bilhões sonegados. Além disso, de 2003 a 2005 a renúncia a contribuições empresariais na área previdenciária chegou a R$ 33,2 bilhões, ao mesmo tempo que a sonegação atingia R$ 88 bilhões. Para este ano está prevista renúncia de mais R$ 16 bilhões (mais que o dobro do aumento vetado, cerca de 15% da receita de contribuições). Sem falar que o estoque de dívidas de empresas estatais e privadas junto à Previdência está em R$ 250 bilhões.
Curiosamente, poucos dias antes do veto o presidente assinara medida provisória (MP) que autorizou o Refis 3, que permitirá renegociar mais de R$ 300 bilhões em dívidas de mais de 200 mil empresas, com desconto de até 50% no valor das multas, correção a juros baixos, prazos de mais de dez anos para pagar - decisão que os editoriais deste jornal têm condenado com veemência, pela "bondade" com devedores contumazes (80% dos que se candidataram ao Refis 1 não pagaram, assim como 53% dos que entraram no Refis 2; e todos poderão entrar no Refis 3). Além de complacente com sonegadores reincidentes, a MP é injusta com empresas e pessoas físicas que pagam corretamente seus impostos.
E não é só a área da Previdência que está em questão. Em algum momento o País terá de decidir se vai continuar nos rumos atuais. Não pode aumentar a carga fiscal, já em torno de 40% do PIB (e por isso pretende o governo perpetuar a CPMF, que deixaria de existir em 2008). Não pode deixar de pagar juros da dívida, ao redor de R$ 140 bilhões anuais. Continua atrelado a um modelo fortemente apoiado na renúncia fiscal como incentivo a vários setores, principalmente na exportação. É extremamente tolerante com a sonegação e a evasão fiscal - e tudo isso agrava extraordinariamente a concentração da renda, uma das mais graves no mundo. Ao mesmo tempo, e por isso tudo, não consegue ter recursos suficientes para investir em setores decisivos como educação (75% dos que têm pelo menos quatro anos de estudo são considerados analfabetos funcionais), saúde, ciência. Muito menos para gerar trabalho e renda, principalmente para jovens que chegam ao mercado - parte deles vai engrossar os escalões da criminalidade. Até quando se seguirá nessa trajetória?
A União não está sozinha nesse caminho - Estados e municípios também, com a renúncia fiscal cada vez mais agravada pela concorrência entre as unidades da Federação que, para atrair investimentos, oferecem, além de terrenos, obras e infra-estrutura, incentivos fiscais vultosos. Absolutamente insustentável. Mas não se consegue por termo à "guerra fiscal", que passa por cima da legislação.
Enquanto isso, dizem as estatísticas mais recentes (Estado, 25/6) que o desemprego na Região Metropolitana de São Paulo continua ao redor de 17% da população ativa, o que significa cerca de 1,7 milhão de pessoas. A renda média de quem trabalha voltou a declinar para níveis inferiores aos de março do ano passado e o mercado, com 22 mil vagas abertas em abril, não conseguiu sequer atender ao contingente que nesse mês pela primeira vez buscou emprego (27 mil pessoas). Sem falar nos que já desistiram. Estudo da Fundação Seade e Dieese, também publicado por este jornal (10/7), aponta que o desemprego atinge 57,5% dos jovens entre 15 e 17 anos e 27,2% dos que têm de 18 a 24 anos, além de 13,4% da faixa dos 25 aos 39 anos e 10% entre 40 e 59 anos. Outro levantamento, do Instituto Polis e Ibase, mostra em sete regiões metropolitanas que o desemprego na faixa de 15 a 24 anos está em 62,9%. E na média apenas 54,1% das pessoas que trabalham no País têm carteira assinada. Antônio Márcio Buainain (Unicamp) e Hildo Meirelles Filho (Universidade Federal de São Carlos) mostram que 7,6% da população (cerca de 14 milhões de pessoas, quase a população da Grande São Paulo) enfrenta "insegurança alimentar e fome", embora dois terços dessas pessoas recebam benefício de algum programa social de governo.
Não espanta, assim, que os gastos estatais para tentar coibir a violência no País não estejam produzindo os resultados esperados. José Roberto Afonso e Beatriz Meirelles (Estado, 25/6) dizem que 10 dos 12 Estados que mais gastam com segurança têm índices de criminalidade piores que a média nacional. São Paulo é um deles - o sétimo Estado mais violento (o do Rio de Janeiro é o quarto).
É ilusório tentar afastar pesadelos acreditando que índices mais altos de crescimento econômico tudo resolverão. Primeiro, porque eles nem sequer parecem à vista no horizonte mais próximo. Segundo, porque os modelos que vimos trilhando não têm sido capazes de enfrentar essas questões, mesmo nos momentos mais favoráveis.
Precisamos de uma estratégia, com urgência.