Título: Grave advertência do presidente do TSE
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/09/2006, Notas e Informações, p. A3

Não nos lembramos de algum outro período de nossa história política recente em que o responsável maior pela lisura do processo eleitoral ¿ vale dizer, o ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ¿ tenha sido tão incisivo e direto em suas cobranças, como está sendo o ministro Marco Aurélio Mello. Mas, certamente, também não nos lembramos de outro período em que tal cobrança se fizesse tão necessária, tantas são as circunstâncias em que se coloca a máquina da administração pública (ou, em termos mais claros, o dinheiro do contribuinte) a serviço da disputa eleitoral, no que se desrespeita duplamente o processo pelo qual a sociedade escolhe seus governantes e representantes nos Poderes: por um lado é a promiscuidade entre a ¿coisa pública¿ e a instituição partidária, por outro é o desequilíbrio de condições imposto às candidaturas, face às vantagens auferidas pelos que já exercem o Poder.

Em crítica direta a todos os candidatos que se servem de seus cargos para buscar a reeleição, mas tendo como notório alvo maior o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Marco Aurélio referiu-se à estranha possibilidade de existir uma certa ¿bomba-relógio¿, capaz de surpreender os que estão cometendo irregularidades nas campanhas. Esse explosivo artefato seriam as diversas representações levadas à Justiça Eleitoral ¿ as quais, se acolhidas, poderão punir o candidato mesmo após as eleições. Antes de mais nada, o ministro aí parece contestar, com firmeza, a falsa idéia disseminada das ¿urnas absolutórias¿, ou da teoria, como diz, do ¿fato consumado¿, pela qual os suspeitos ou acusados que conquistam ou permanecem no Poder, via reeleição, se tornam imunes às sanções legais. Bem é de ver, a propósito, que no âmbito legislativo há muitos candidatos mais motivados pela conquista da almejada ¿imunidade parlamentar¿ (com sua conotação prevalente de impunidade) do que em qualquer outra coisa.

Em última instância o presidente do TSE procura dar a entender ¿ com inegável oportunidade, diga-se ¿ que as leis existem e permanecerão depois das eleições, os processos judiciais em curso terão continuidade e a Justiça eleitoral se dispõe a exercer plenamente seu papel jurisdicional, sejam quais forem os resultados das urnas. Os fatos que demonstram o abuso do poder administrativo na atual campanha eleitoral são abundantes e notórios demais para precisarem ser aqui mencionados ¿ bastando lembrar o que foi recentemente detectado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e já comentado em editorial. Mas o ministro Marco Aurélio foi direto ao ponto ao cobrar do presidente Lula ¿a confusão muito grande¿ que ele faz ¿entre o exercício do mandato e a caminhada para a reeleição¿. E disse mais, que nessa confusão, ¿de repente, depois de uma política econômica austera, verifica-se que é possível atender a servidores públicos e se partir para benesses¿.

Afirmando que esse comportamento do presidente-candidato desatende ao espírito da lei, que é a igualdade de condições entre os candidatos, conclui o ministro: ¿É muito difícil concorrer com alguém que permanece na cadeira com a caneta na mão e pode praticar atos fronteiriços, que precisam ser melhor definidos.¿ Agora, expressando-se em estilo não destituído de certo mistério, disse quem tem a responsabilidade de membro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral: ¿Se com o meu voto o teto tiver de cair na minha cabeça, vai cair. E aí, não pode aquele reeleito se sentir surpreendido por uma atuação mais rigorosa do Judiciário.¿

É verdade que não tem a inteira responsabilidade pelos ¿atos fronteiriços¿ aquele que não sabe, como já confessou, quando está sendo governante e quando está sendo candidato, visto que a confusão não foi resolvida com precisão pela legislação eleitoral que instituiu, no governo anterior, a reeleição para mandatos executivos. Não se releve, porém ¿ neste como em tantos outros campos ¿, o abuso presente, em razão da falha passada. Pois, mesmo que a letra da lei não seja suficientemente clara para impedir a distinção de papéis ¿ entre governantes e candidatos ¿, alguns princípios gerais, de natureza ético-jurídica, e mesmo o que é comumente assumido pela sociedade como simples bom senso, podem ser parâmetros inibidores de abusos, pelo menos os mais gritantes.