Título: A insatisfação uruguaia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/09/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, disse ter saído ¿muito feliz¿ do encontro que manteve na semana passada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Canoas, no Rio Grande do Sul. Lula, que ocupa a presidência temporária do Mercosul, teria concordado com a continuidade das negociações de um acordo comercial entre o Uruguai e os Estados Unidos. Ainda não está claro, nem mesmo para boa parte do Congresso uruguaio, qual é a real dimensão desse acordo e, por isso, quais serão suas conseqüências para o futuro do bloco comercial do Cone Sul. Mas boas elas não serão.

Já se passaram quatro meses desde que Vázquez propôs ao governo americano a celebração de um acordo comercial. Em discurso que pronunciou no Departamento de Estado, explicou que seu país não pretende abandonar o Mercosul, mas ¿não pode dar as costas ao mundo¿. O governo uruguaio está insatisfeito com o Mercosul. Antes de propor o acordo com os EUA, Vázquez havia dito que o bloco é mais um problema do que uma solução para o Uruguai. O Mercosul, disse, não pode ser uma ¿jaula de ouro¿, que impeça seus membros de celebrar os acordos que lhes sejam mais interessantes, nem um clube com sócios de primeira categoria e outros, de segunda.

Em documento apresentado a parlamentares na semana passada, em defesa do acordo com os Estados Unidos, o governo uruguaio argumentou que, ¿enquanto perdurar o estancamento e a falta de aprofundamento dos mecanismos de integração regional¿ ¿ ou seja, enquanto o Mercosul ficar patinando ¿, o Uruguai precisa buscar acesso a outros mercados, para aumentar suas exportações e crescer.

Há motivos para a queixa uruguaia contra o Mercosul. Os dois principais sócios do bloco, Brasil e Argentina, ignoram os problemas do Uruguai e até criam outros. O Brasil chegou a importar US$ 1 bilhão do Uruguai, mas hoje importa só a metade disso. Recentemente, a Argentina tentou impedir a conclusão das obras de duas fábricas de celulose do outro lado da fronteira, o que resultou numa grave crise diplomática. O presidente Kirchner está se especializando em criar problemas com o Uruguai ¿ e Tabaré parece ter desistido de tentar melhorar as relações bilaterais.

Se o acordo pretendido por Vázquez for de livre-comércio, como costumam ser os firmados pelos EUA, a permanência do Uruguai no Mercosul como sócio pleno estará comprometida. O bloco, formalmente, é uma união aduaneira, o que significa ter uma única política comercial com relação a terceiros países, por meio de uma tarifa externa comum. O acordo de livre-comércio entre Uruguai e EUA romperia a regra.

Por isso, o governo uruguaio evita o uso da expressão ¿acordo de livre-comércio¿ para se referir a sua pretensão. No documento que apresentou aos parlamentares, fala apenas em ¿possível acordo com os Estados Unidos¿. Não deixa claro o que pretende. Se o acordo for limitado o suficiente para não afetar a união aduaneira, Brasil e Argentina dizem que o aprovarão. Diplomatas dos dois países consideram aceitável um acordo restrito, com a inclusão de tarifas preferenciais para alguns produtos uruguaios, como carne bovina, com a contrapartida para produtos americanos.

O problema é convencer Washington a aceitar um acordo desse tipo. Nas negociações bilaterais que concluíram com países da América Latina, os EUA preferiram acordos amplos, abrangendo investimentos, serviços, proteção para o investidor, entre outros temas.

Outro problema é o prazo para a conclusão desse acordo. A permissão do Congresso americano para o governo celebrar acordos comerciais termina em julho do ano que vem. As negociações entre os dois países teriam de avançar muito depressa para serem concluídas nesse período. Há, ainda, forte oposição interna no Uruguai a um acordo amplo com os EUA.

Seja como for, o acordo pretendido por Tabaré Vázquez expõe a fragilidade do Mercosul e o desdém com que os dois principais sócios do bloco têm tratado os demais. Diante da descrença na utilidade do Mercosul, manifestada pelo presidente uruguaio, os sinais que o Brasil começa a dar de que prestará mais atenção aos problemas do Uruguai e também do Paraguai podem ser, além de insuficientes, tardios.