Título: Fundo Monetário busca um novo papel para sobreviver no século 21
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/09/2006, Economia, p. B7

Conhecido como pronto-socorro de economias em crise, o Fundo Monetário Internacional (FMI) cuida agora de justificar a própria sobrevivência. Seu diretor-gerente, o espanhol Rodrigo de Rato, propõe nova estratégia de médio prazo: será preciso redefinir o papel do Fundo, para ajustá-lo às condições do século 21, melhorar sua governança e reforçar sua legitimidade perante os 184 países sócios. Essa estratégia será o grande tema da assembléia anual, que ocorrerá oficialmente nos dias 19 e 20 deste mês, e pelo menos um de seus itens, um novo critério para distribuição de cotas e de votos, já tem a oposição do Brasil, da Índia e da Argentina.

A estratégia inclui consultas multilaterais sobre assuntos de importância global ou regional, novos esquemas de monitoramento de mercados, novas formas de apoio às economias emergentes e maior atenção aos países pobres, principais interessados nas metas do milênio definidas pela Organização das Nações Unidas.

Das cotas depende não só o poder de voto de cada sócio, mas também o montante para empréstimos nas várias modalidades de ajuda prestadas pelo FMI. Há duas semanas, em Washington, a Diretoria Executiva aprovou duas propostas importantes: um aumento de cotas para China, Coréia, México e Turquia, a curto prazo, e uma nova fórmula para divisão do capital e do poder de voto.

As duas novidades só entrarão em vigor se forem aprovadas, em Cingapura, pela instância política, isto, é, pela assembléia de governadores, que são ministros dos países membros.

Na Diretoria Executiva, comandada por Rato, representantes do Brasil, da Argentina e da Índia votaram contra o pacote, mas perderam. Para o Brasil, o problema não está no aumento das cotas. O principal está na segunda fase da mudança proposta: a nova fórmula dará grande peso não só ao tamanho da economia, mas também ao grau de abertura, medido pela movimentação da conta corrente do balanço de pagamentos.

Pelo novo critério, os Estados Unidos continuarão como sócio principal. A maior economia do mundo tem hoje cerca de 17% dos votos. Poderá manter essa participação, ou aumentá-la um pouco, segundo seu interesse. Pelas normas do FMI, são necessários 85% dos votos para a aprovação de certas medidas de maior alcance. Com os 17%, os Estados Unidos são o único país com poder individual de veto. Sua posição, portanto, será mantida.

Alemanha e Japão serão outros prováveis ganhadores com a nova fórmula, por serem economias não apenas grandes, mas também muito abertas, pelo critério da conta corrente do balanço de pagamentos. A conta corrente inclui a balança comercial (exportação e importação de bens), a balança de serviços (viagens, dividendos, fretes, seguros, royalties, assistência técnica e juros) e a conta de transferências unilaterais (remessas de imigrantes, por exemplo).

A reforma proposta inclui também uma redistribuição das cotas básicas, isto é, independentes da contribuição para o capital do Fundo. O objetivo é dar um pouco mais de peso político às economias pobres.

As mudanças no sistema de cotas devem atender a problemas internos de governança e de participação política. Mas a reforma tem objetivos mais ambiciosos. Com as consultas multilaterais, o FMI pretende criar, segundo Rato, um instrumento para análise e para construção de consenso sobre políticas que possam afetar a estabilidade global ou regional.

A primeira experiência, já iniciada, envolveu, até agora, conversações bilaterais do pessoal do FMI com os governos da China, da zona do euro, do Japão, da Arábia Saudita e dos EUA. O objetivo é encontrar formas de reduzir os desequilíbrios dos balanços de pagamentos.

O exemplo mais visível desses desequilíbrios é o contraste entre o superávit chinês e o déficit americano em conta corrente, já muito próximo de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos próximos meses, segundo Rato, o FMI vai promover mesas-redondas com a participação dos principais envolvidos.

Se a iniciativa der certo, o Fundo ganhará novo status como foro internacional de análise, discussão e formulação de políticas. Até agora, tem valido o jogo de pressões no velho estilo. É o que tem ocorrido, por exemplo, quando o Grupo dos Sete, formado pelas economias mais industrializadas, pressiona Pequim para valorizar a moeda. Isso reduziria um pouco o poder de competição da indústria chinesa, mas a valorização, até agora, foi insignificante.

O governo brasileiro deverá aproveitar a assembléia também para insistir na criação de uma linha de financiamento preventivo, de fácil acesso, para países com bons antecedentes e políticas consideradas saudáveis. O Brasil vem insistindo nessa proposta há dois anos, até agora sem sucesso, mas há sinais, segundo algumas fontes, de novos apoios importantes.