Título: Crescimento - a meta de Furlan
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2006, Espaço Aberto, p. A2

Conforme a edição de ontem deste jornal, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, defendeu a fixação da meta de 5% a 6% para o crescimento do produto interno bruto (PIB) brasileiro, nos próximos quatro anos. É ótimo ver alguém do governo federal manifestando seu inconformismo com o medíocre crescimento atual - estimado em 3,2% este ano -, pois vários colegas do ministro Furlan, e também seu chefe, insistem em dizer que a economia 'vai bem'.

Como afirmar isso, se há duas décadas e meia o que temos é uma economia travada em torno de taxas de crescimento claramente insatisfatórias? E mais: no governo Lula, perdeu-se mais uma oportunidade de sair desse impasse, dado que desde 2003 a economia mundial cresceu de forma acelerada e nosso país não soube bem aproveitar esse impulso como outros o fizeram.

Fixar metas mais ambiciosas é válido, desde que não se tenha a ilusão de alcançá-las com precisão. O importante mesmo é ter uma estratégia de crescimento, começando por entender o processo, identificar seus pontos de estrangulamento e procurar solucioná-los, tudo com o objetivo de crescer muito mais. Se a taxa anual revelada pelo PIB vai alcançar 5%, 6% ou outra taxa ainda mais satisfatória, isso só se saberá posteriormente. Servirá como avaliação, mas não é o cerne da questão, o qual está em agir de forma rápida e eficaz, com tudo de adequado que isso envolve, como a determinação, a boa gestão e a articulação dos vários atores dessa ação.

O governo federal terá necessariamente um papel fundamental em todo o processo, inclusive porque é o principal ponto de estrangulamento, pois mais atrapalha do que ajuda o crescimento. Em particular, faz isso com sua carga tributária asfixiante, seus gastos que não favorecem os investimentos em capacidade produtiva adicional e sua dívida pública, que permanece como risco alto em face da má gestão fiscal, constituindo-se numa das causas da alta taxa básica de juros, que, por sua vez, desestimula o consumo e os investimentos privados.

Entra governo, sai governo, e continua evidente a dificuldade de se empenhar, de se articular e de agir rápida e eficazmente pró-crescimento. Por exemplo, num dos aspectos mais importantes, o do relacionamento com o Banco Central (BC) e a política monetária que este pratica, o ministro Furlan colocou a questão nestes termos: 'Essa meta não estaria conflitando com a meta de inflação, porque (...) já foi alcançada com sucesso.'

Ora, não é bem assim, pois, se o crescimento se acelerar com vigor, a inflação deverá subir e o BC, mantida a sua forma atual de agir, poderá tomar isso e o próprio crescimento como um sinal para aumentar de novo os juros. A razão é que prevalece no BC, em outros segmentos do mercado financeiro, e por parte de uns poucos analistas fora desse âmbito, a crença de que há um limite para o potencial de crescimento da economia, em geral de 4%.

A propósito, quando foi anunciada a última decisão do BC quanto à taxa básica de juros, reduzindo-a de 14,75% para 14,25% ao ano na reunião de seu Conselho de Política Monetária (Copom) concluída em 30 de agosto, pareceu claro que esse conselho havia decidido não apenas olhando a menor inflação, mas também o pior estado da atividade econômica, confirmado pelo IBGE um dia depois que a decisão do Copom veio à tona. Em particular, o crescimento do PIB à ínfima e infame taxa de 0,5% no segundo trimestre deste ano.

Que isso influenciou não há dúvida, pois na ata dessa reunião do Copom há várias referências ao fraco desempenho da economia no mês de junho, já prenunciando esse resultado. E mais: o Copom já devia conhecer previamente os dados do PIB trimestral divulgados pelo IBGE, pois é comum que no governo esse tipo de informação circule antes do anúncio oficial, no que não vejo problemas.

Note-se, entretanto, que o Copom olhou o PIB dentro do tal limite de crescimento, e não se segue que não haveria uma reversão de sua política atual se essa taxa o ultrapassasse.

Isso ressalta a necessidade de articular a orquestra governamental, hoje sem sintonia. Em particular, é preciso que a turma dos ministros usualmente gastadores, que em qualquer governo vive a malhar o BC por sua ortodoxia em matéria monetária, passe a trabalhar, a começar do seu chefe atual ou novo, de forma a evitar maior dosagem da mesma, fazendo a parte que lhe cabe para aliviar o peso do governo na economia, contendo despesas de custeio e o exagero nas benesses ditas sociais, sem o que os riscos fiscais continuarão a pressionar a taxa de juros, levando o BC a praticar taxas mais altas do que as que se verificariam na ausência dessas pressões.

De sua parte, o BC, nesta ou noutra administração, também faria muito se refletisse sobre as ainda não bem assentadas bases científicas da política de metas de inflação que adota, em particular ao exagerar na avaliação do seu papel antiinflacionário, desprezando o efeito da taxa cambial, que se valorizou principalmente pelos altos superávits comerciais. E, além disso, se suas metas de inflação são adequadas em face do ainda presente 'entulho inflacionário', como no caso da correção de tarifas públicas por índices gerais de preços, o que impõe limites à ação efetiva da política monetária.

Em síntese, para serem factíveis as metas de crescimento exigem outras, que o governo, este ou outro que vier, precisa impor a si mesmo, em particular ao seu comportamento fiscal. Sem isso, falar de metas de crescimento mais ousadas não passará de um exercício de retórica, pois inevitavelmente serão contestadas pelos fatos.