Título: Ouvidor da Anatel elogia Lula no horário eleitoral
Autor: Gerusa Marques
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2006, Nacional, p. A5

No programa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva da noite de anteontem, foi exibida uma seqüência em que eleitores davam depoimentos 'espontâneos' apontando razões para votar pela reeleição. Um deles, identificado apenas como Aristóteles dos Santos, 'do Setor Comercial Sul de Brasília', defendeu o trabalho do governo na área de transportes. 'Olha as estradas. As estradas tinham acabado. As estradas começam a existir de novo', disse o eleitor, em cena gravada nas ruas da capital.

O que não foi contado na propaganda é que Aristóteles ocupa desde junho de 2004 um alto cargo do serviço público: é ouvidor-geral da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com salário mensal de R$ 6.690,24. Ele é ligado à ala sindical do governo e foi nomeado com o apoio da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), da qual foi presidente. Técnico em eletrônica, Aristóteles fez carreira na Telemig, participou da fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e integrou sua executiva nacional.

Dono de calva acentuada, cabelos compridos e barba branca, Aristóteles acabou sendo reconhecido e sua atividade profissional foi revelada pelo Blog do Noblat, hospedado no Portal do Estadão. Procurado por jornalistas para se explicar, disse ter dado o depoimento como cidadão, sem constrangimento por ocupar um cargo público: 'Seria terrível se tivesse de perder o direito de cidadão. Extrapolando essa visão, seria como me cassar o direito ao voto.'

Curioso é que Aristóteles não tem grande conhecimentos das estradas brasileiras. Para justificar a avaliação que expôs na propaganda de Lula, contou ter viajado durante as férias de julho por rodovias bem conservadas de Minas e Goiás.

A Anatel informou que não comentaria o assunto porque o ouvidor tem independência funcional.

Sua participação no programa de Lula pode caracterizar um caso de propaganda enganosa, mas não deve ter conseqüências jurídicas. Especialistas em direito eleitoral afirmam que qualquer pessoa pode participar da propaganda eleitoral. No entanto, a escolha de um alto funcionário público foi censurada. O advogado do PSDB Eduardo Alckmin disse que o episódio 'mostra uma desonestidade' na propaganda. 'O que deveria ser um popular é um membro do governo identificado como popular. Mas, em princípio, qualquer cidadão pode participar.'

Um dos advogados da campanha de Lula à reeleição, Márcio Luiz Silva afirmou ontem que não há ilegalidade. 'Do ponto de vista jurídico, não fica caracterizado uso do servidor na campanha, mas apenas um depoimento espontâneo. Por isso, não há tem vedação legal.'