Título: 'Bush exagera ameaça do terror e abala moral do país'
Autor: Hans Hoyng, Georg Mascolo
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2006, Internacional, p. A16

O governo de George W. Bush contraria as bases históricas da política externa dos Estados Unidos, distorce as reais proporções da ameaça representada pelo fundamentalismo islâmico e cria um clima de medo que abala o próprio moral americano. É o que afirma Zbigniew Brzezinski, de 78 anos, ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA e professor da Universidade Johns Hopkins. A seguir, trechos de sua entrevista à Spiegel.

Bush compara os perigos do terrorismo aos da Guerra Fria. O que o sr. acha dessa retórica?

Ele está totalmente errado. Trata-se de demagogia ou ignorância histórica. Uma guerra nuclear de grande envergadura entre Estados Unidos e União Soviética provocaria a morte de 160 milhões a 180 milhões de pessoas em 24 horas. Nenhuma ameaça terrorista é comparável a isso. O terrorismo é uma técnica de matar pessoas, não um inimigo em si. Iniciar uma guerra contra um fantasma leva a exageros e distorções.

Quais são essas distorções?

Depois do ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, os EUA assumiram uma posição enérgica e determinada e, durante os 40 anos de Guerra Fria, demonstraram paciência e ponderação. Em nenhum dos casos o presidente pregou intencionalmente o medo para a população. Ao contrário. Hoje, está criando um clima de temor que destrói o moral da população e distorce a política americana.

Diante da possibilidade de uma arma nuclear cair nas mãos de terroristas, o medo não se justifica?

Faz algum sentido temer essa possibilidade. Eu não quero minimizar o perigo de um ou até múltiplos atos terroristas, mas o alcance deles não seria comparável ao que era o arsenal soviético de armas nucleares.

Mas às vezes as discussões nos EUA e Europa dão a impressão de que o Islã radical assumiu o lugar da antiga União Soviética e de que estamos assistindo a uma espécie de Guerra Fria...

O Islã radical deve ser levado a sério, mas ainda é só um perigo regional, de alguns países do Oriente Médio. Mesmo nessas regiões, os fundamentalistas islâmicos nem sempre são maioria.

Qual seria uma resposta válida ao terror?

Precisamos formular uma política para o Oriente Médio que nos ajude a mobilizar nossos amigos potenciais. Somente se cooperarmos com eles poderemos conter e, finalmente, eliminar esse fenômeno. É um paradoxo. Durante a Guerra Fria tentamos unir nossos amigos e dividir nossos inimigos. Infelizmente as táticas usadas hoje, incluindo uma linguagem 'islamofóbica' ocasional, tendem a unir nossos inimigos e afastar nossos amigos.

Então é essa retórica exagerada que garante que Osama bin Laden seja elevado ao nível de um Mao Tsé-tung ou de um Stalin?

Correto. E isso, claro, é uma distorção da realidade - não obstante o fato de que Bin Laden é um assassino. Ele é um criminoso e deve ser apresentado como tal e não qualificado intencionalmente como um importante líder global de um movimento transnacional pseudo-religioso.

Houve algum avanço na luta contra o terror nos últimos 5 anos?

Sim e não. Bata na madeira. Ate agora não houve nenhuma repetição de um ataque terrorista nos EUA e isso em parte se deve parte às medidas preventivas adotadas. Igualmente, entre as elites modernas do mundo muçulmano, há uma percepção crescente de que o terrorismo islâmico também é é uma ameaça para elas - mas é um processo lento. E este processo foi prejudicado com a nossa invasão do Iraque, que provocou muita hostilidade do mundo islâmico em relação aos EUA. Nossa posição ambígua e insensível no caso do conflito entre palestinos e israelenses também é uma razão importante dessa hostilidade que sofremos. Tudo isto ajuda o terrorismo.

A vitória completa, como exige o presidente, é realmente possível?

Depende de como definimos vitória. Se agirmos de modo inteligente e formarmos as necessárias coalizões, a atração do terrorismo pode diminuir e a capacidade de encontrar simpatizantes, até mesmo mártires, pode ser limitada. Então, é provável que, gradativamente, ele desapareça. Se, contudo, entendermos a vitória como o equivalente a Hitler se matando no seu bunker, isso não acontecerá. Essa é exatamente a razão pela qual qualquer analogia com a guerra é tão enganadora.

O que Bush vê como benefício de sua retórica de guerra?

Ela o ajudou a se reeleger - uma nação em guerra não despede seu comandante. E ela elevou sua capacidade de exercitar seus poderes executivos a uma escala jamais atingida por outro presidente americano. Isso implica riscos, como a violação de direitos civis. Mas fornece a ele o argumento de que pode usar as Forças Armadas como quiser, mesmo sem o Congresso aprovar uma declaração de guerra.

O governo americano declarou o Iraque a frente principal na sua guerra ao terror, mas em vez de propagar a democracia, o Iraque hoje serve de ímã para novos terroristas. Como podem os EUA sair de sua própria armadilha?

Não devemos nem fugir nem buscar uma vitória, que seria, essencialmente, uma miragem. Precisamos conversar seriamente com os iraquianos para estabelecer conjuntamente uma data de retirada das forças de ocupação e depois, conjuntamente, anunciar essa data. A presença dessas forças alimenta a insurgência.