Título: Reserva de mercado na aviação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2006, Notas e Informações, p. A3

Para o bem da Justiça e o resguardo dos reais interesses nacionais, o processo de recuperação judicial da Varig deveria estar sendo acompanhado de perto por um juiz-corregedor desde que, por um entendimento enviesado da nova Lei de Falências, os juízes da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro começaram a ditar decisões prejudiciais a terceiros, em particular, e à economia brasileira, em geral. A lei prevê a adoção de medidas que garantam a continuidade dos negócios da empresa que se encontra em estado falimentar, preenchidas determinadas condições. Parte do princípio de que é melhor para todos - funcionários, fornecedores, credores e o Fisco - uma empresa em funcionamento e a caminho da recuperação do que uma falência que determine o encerramento abrupto das atividades. Mas há limites.

No mesmo dia em que um juiz determinou que a BR Distribuidora deveria fornecer combustível à Varig, sem pagamento à vista - ela já havia esgotado seu crédito e não gerava receita suficiente nem para cobrir os juros do que devia -, os procedimentos da 8ª Vara deveriam ter ficado sob o escrutínio do Tribunal de Justiça do Rio e do Conselho Nacional de Justiça. Além dessa sentença esdrúxula, que condenou uma empresa a sofrer calotes diários e sucessivos, prazos legais foram ignorados ou modificados por decisão monocrática até que aparecesse um grupo disposto a levar a parte operacional da Varig, ficando um passivo de mais de R$ 7 bilhões, inclusive dívidas trabalhistas, com a parte podre, que não se sabe como saldará o débito.

O leilão e a adjudicação da parte operacional da Varig para a VarigLog não encerrou a série de arbitrariedades. No mês passado, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) decidiu repassar as rotas internacionais que a Varig havia deixado de operar para outras empresas brasileiras e licitar 50 slots seus no Aeroporto de Congonhas. Uma juíza da 8ª Vara Empresarial proibiu a operação, determinando que 272 rotas e 140 slots deveriam ficar à disposição da nova Varig, até que ela decida quando poderá fazer uso das concessões - ou seja, por prazo indeterminado. Ora, as rotas e slots não são propriedade da Varig. São concessões do Estado e o Código Brasileiro de Aeronáutica estabelece com clareza as condições de caducidade e de realocação. Como a Anac insistiu no repasse das rotas, o juiz da 1ª Vara Empresarial do Rio fixou multa de R$ 1 milhão por descumprimento de decisão judicial.

Só então houve alguma reação contra as decisões judiciais. A decisão da 8ª Vara foi cassada pelo Tribunal Regional Federal. A Anac representou contra os juízes que cuidam do processo junto ao Conselho Nacional de Justiça. Procuradores do Ministério Público Federal reuniram-se para examinar o caso e concluíram que, por lei, cabe à agência reguladora, e não a um juiz, organizar a aviação civil - e recomendaram a redistribuição imediata das rotas. E a Secretaria de Defesa Econômica, acionada pela Anac, elaborou parecer no qual mostra que o congelamento das rotas da Varig criou uma 'reserva de mercado' de 272 linhas áreas, que prejudica os consumidores e afronta o princípio da isonomia competitiva. 'Com todo o respeito à decisão do juiz, o que houve efetivamente foi a decretação judicial de restrição à oferta e de aumento dos preços ao consumidor', declarou o secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg.

A questão interessa diretamente não apenas às empresas aéreas, mas também à economia nacional. Nos meses que se seguiram à crise da Varig, houve uma certa acomodação na oferta de vôos domésticos, embora os preços das passagens tenham subido, pois com a pressão da demanda foram eliminadas ofertas e promoções. Mas nos vôos internacionais a coisa foi mais grave. Com a 'reserva de mercado' concedida à Varig, além do aumento de tarifas permanece a escassez de oferta.

Reportagem publicada pelo Estado na quarta-feira mostra que 71,5% dos vôos internacionais são hoje feitos por empresas estrangeiras. Não é para menos. Em agosto de 2005, quando a Varig ainda funcionava, as empresas brasileiras ofereciam 2.774.377 assentos/km. Um ano depois, a oferta era de 1.412.945. Para os passageiros, isso significa mais despesas. Para o Brasil, maior dispêndio de divisas.