Título: Sucesso de venda, pivôs de polêmica
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2006, Vida&, p. A31

Os antiinflamatórios vendem mais que pomada contra assaduras e remédio para emagrecer. E, como poucos, causam tanta polêmica. Há cinco dias, pesquisadores da Universidade de Newcastle, na Austrália, afirmaram que o diclofenaco, princípio ativo do Cataflam e do Voltaren - segundo e quarto produto em faturamento no mercado de antiinflamatórios, respectivamente -, pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares em até 40%.

O resultado da pesquisa que revisou 23 estudos clínicos e envolveu cerca de 1,6 milhão de pessoas também é controverso. ¿Não houve um estudo específico para comprovar o risco¿, avalia Antony Wong, coordenador do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox), do Hospital das Clínicas de São Paulo. ¿Não sabemos quem são essas pessoas envolvidas no estudo, se pertencem ou não a grupos de risco que possam influenciar o resultado.¿

O fabricante, o laboratório Novartis, também contestou o levantamento com argumentos semelhantes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se manifestou, afirmando em nota oficial que ¿o conjunto dos estudos passa neste momento por avaliação do corpo técnico da área de medicamentos, com o objetivo de esclarecer as evidências sobre novos riscos sanitários ligados ao fármaco. Até o momento, não foram detectadas evidências que levem à necessidade de qualquer mudança imediata com relação à prescrição e ao uso dos medicamentos derivados do princípio ativo no País.¿

Mesmo com credibilidade duvidosa, a divulgação mundial do trabalho assustou muita gente. A relações públicas Daniella Rettur, de 23 anos, por exemplo, estava tomando diclofenaco quando soube da pesquisa e abandonou o tratamento. ¿Estava tomando o remédio havia quatro dias. Tinha acabado de engolir um comprimido, quando vi a notícia na imprensa¿, lembra ela. ¿Parei na hora, fiquei com medo, me lembrei do Vioxx (remédio que foi retirado do mercado em 2004 pelo próprio fabricante, a Merck)¿

O engenheiro Luiz Carlos Martins, de 48 anos, ligou para o médico quando soube da notícia. ¿Tenho em casa o remédio. Fiquei impressionado¿, diz. ¿Mas ele me disse que era para ficar tranqüilo, que ainda era muito cedo para me preocupar.

CORAÇÃO

Hoje, há 2,5 mil estudos sobre a ação dos antiinflamatórios no coração. Trabalhos associados especificamente ao enfarte, 860. ¿Não significa que as pesquisas afirmem que o remédio faz mal ao órgão. Mas, certamente, o grande número de trabalhos mostra que existe uma associação muito importante¿, diz Ibraim Pinto, cardiologista do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo.

Uma das ações indiretas dos antiinflamatórios é anticoagulante. Eles inibem a tromboxane, uma substância química que está relacionada ao processo inflamatório e também à formação de plaquetas - componentes do sangue responsáveis pela coagulação, ou seja, que têm como principal função coibir os sangramentos.

O efeito pode ser benéfico ou não. Quando se juntam, as plaquetas formam coágulos, o que dificulta a passagem do sangue pelos vasos. O antiinflamatório (a Aspirina é mais eficaz nesse caso) tem ação protetora porque envolve a membrana das plaquetas. A ¿capa¿ impede que elas se juntem e, também, faz com que alas fiquem mais resistentes, não se rompendo quando passam por vasos com placas de colesterol, por exemplo.

Em compensação, estudos clínicos mostraram que alguns antiinflamatórios agem diretamente no coração, interferindo no funcionamento das células do órgão. A conseqüência é o estreitamento das artérias que levam sangue ao coração, aumentando o número de doenças cardiovasculares. Entre elas, angina (dor causada pela falta de oxigênio ao coração), enfarte e derrame cerebral.

Foi o que ocorreu com o Vioxx. ¿A origem dessa interferência ainda não é conhecida, mas já basta para afirmar que devemos ter cautela¿, avalia o cardiologista do HCor.

Há duas gerações de antiinflamatórios. Os da primeira inibem indiscriminadamente duas enzimas que participam do processo de inflamação, COX 1 e COX 2. Aspirina, Cataflam e Feldene estão entre os mais conhecidos (veja quadro ao lado). Os remédios de última geração, como Celebra e Arcoxia, inibem principalmente a COX 2.

AS COXs

A diferença é fundamental. A COX 1 está presente principalmente na mucosa gástrica - por isso que alguns dos efeitos colaterais desses antiinflamatórios são gastrite, sangramentos gástricos e úlceras. A COX 2 aparece quando há inflamação. As duas produzem a substância tromboxane, ligada ao processo inflamatório. ¿A ação nesses remédios no processo de inflamação existe, mas é pequena¿, explica Joel Tedesco, professor de clínica médica do Hospital das Clínicas. ¿Com algumas exceções, como artrite reumatóide (inflamação crônica nas articulações), o efeito dos antiinflamatórios no processo da inflamação existe, mas é pequena. As ações analgésicas e antitérmicas desses medicamentos são maiores nas doses prescritas.¿

A inflamação é uma reação natural do corpo para se recuperar de uma agressão, é a luta do organismo para restabelecer um tecido lesionado - o sistema imunológico é recrutado, vasos sanguíneos se dilatam e células são acionadas para estimular o crescimento da parte machucada. Entre as reações mais comuns, dor e calor local. A febre é conseqüência de um grande esforço do sistema imunológico. ¿Na maioria das vezes, o antiinflamatório serve para tirar a dor¿, complementa Tedesco.