Título: Expropriação de receitas integra modelo para futuras contratações
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2006, Economia, p. B3

Depois da estatização decretada em maio passado, a expropriação das receitas das refinarias da Petrobrás na Bolívia parece ser apenas o primeiro passo de uma segunda ofensiva contra as petroleiras que operam no país. O governo boliviano pretende usar o mesmo modelo, que provocou forte reação da Petrobrás, nos novos contratos de exploração e produção de petróleo, último e mais importante passo para retirar o setor privado dos negócios do gás boliviano.

Minutas dos contratos, que não se comprometem com indenizações, já foram apresentadas a outras empresas. Na opinião de fontes consultadas pelo Estado, os termos são inegociáveis.

O assunto está sendo tratado sob sigilo absoluto por determinação do governo local, mas executivos que tiveram acesso ao texto garantem que, se forem mantidas as condições oferecidas à Petrobrás, a questão será levada a arbitragem internacional. Os novos contratos praticamente transformam as petroleiras em meras operadoras de poços, sem gestão sobre os empreendimentos. A estatal local YPFB seria responsável, inclusive, por definir os investimentos necessários para cada campo produtor.

Segundo o modelo proposto, a YPFB será responsável pela comercialização do petróleo e gás produzidos nos campos, recebendo toda a receita proveniente das vendas. Depois, repassa aos concessionários uma quantia referente aos custos de operação e mais uma margem de lucro, ainda não estipulada, que será definida caso a caso de acordo com as auditorias que vêm sendo promovidas nos ativos. A propriedade das instalações também deve ser transferida.

O modelo desses contratos é semelhante ao proposto para as refinarias pela Resolução 207/06, do Ministério dos Hidrocarbonetos, que, segundo a Petrobrás, inviabiliza as atividades por retirar a gestão do caixa e reduzir as garantias para obtenção de empréstimos. No caso do refino, a estatal brasileira anunciou que prefere abandonar o setor caso as regras sejam mantidas. Na quinta-feira, após o governo brasileiro ter reclamado, La Paz suspendeu a entrada em vigor da resolução à espera de novas negociações.

Na quinta-feira, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, confirmou ter recebido os novos modelos de contrato. Mas se recusou a fazer qualquer comentário, alegando ter feito um acordo com o governo para que a questão não seja discutida pela imprensa. As outras companhias que operam no país tiveram atitude semelhante. A espanhola Repsol, a francesa Total e a britânica BG também já têm o texto em mãos.

SEM TEMPO

Os bolivianos decidiram entregar uma minuta do contrato para avaliação prévia da empresa por causa da falta de tempo hábil para discutir o assunto. O decreto supremo de 1º de maio, que regulamentou a estatização dos ativos, determina que os novos contratos sejam assinados até 1º de novembro. Mas o fato é que as companhias não gostaram do que viram e prometem recorrer à Justiça.

Desde o início do processo, o principal temor das companhias era que La Paz as obrigasse a prestar serviços à YPFB. 'Qual será o preço de venda da produção? Quem define isso?', questiona um investidor. O texto não institui juridicamente a figura do prestador de serviços, mas a Petrobrás confirmou que o modelo proposto, na prática, cria essa condição.

A estatal brasileira opera os dois maiores campos de gás do país, San Alberto e San Antonio, que juntos são responsáveis por mais de 20 milhões de metros cúbicos por dia. Tem como sócias a Petrolera Andina, controlada pela Repsol e a Total. Juntas, elas investiram cerca de US$ 600 milhões para iniciar a produção. Os dois projetos foram penalizados pelo decreto supremo, que elevou a 82% os impostos sobre a produção. La Paz diz que os investimentos foram amortizados, o que justificaria a alta carga tributária.

Fontes consultadas pelo Estado argumentam, porém, que a renúncia do ministro dos Hidrocarbonetos Andrés Solíz Rada, é alentadora. Considerado um dos mais radicais integrantes do governo, Solíz capitaneava a definição do novo modelo. Com a sua saída, a expectativa é que a proposta seja amenizada depois do início das reuniões para avaliação conjunta dos termos propostos.