Título: 'Se receita baixar muito o País quebra'
Autor: Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2006, Economia, p. B7

O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, disse que o governo não pode dar continuidade, neste momento, ao processo de desoneração dos impostos, porque o País quebra. Essa parada estratégica, segundo ele, ocorrerá pelo tempo necessário para que a Receita possa avaliar o nível da arrecadação, depois da edição das chamadas medidas provisórias do bem - as MPs do Bem.

'Temos que dar uma parada estratégica para verificar se a arrecadação está sustentável. Se a receita ficar abaixo dos gastos, nós quebramos o País', disse ele, manifestando preocupação da secretaria com o equilíbrio das contas públicas. Rachid afirma, em entrevista ao Estado, que a discussão em torno da carga tributária é 'emocional'. 'A Receita cumpre a Lei. Não cobra nem mais nem menos impostos', disse.

O governo e o ministério da Fazenda, segundo ele, definem as medidas de desoneração de impostos e essas medidas são submetidas ao crivo da Receita. Rachid defende a intervenção da Secretaria nesse processo e afirma que o 'papel da Receita é dizer não' todas as vezes que se identifica que determinada medida pode acarretar distorções entre os diversos setores econômicos.

Com a imagem desgastada pelo aumento da carga tributária, que chegou ao nível recorde de 37, 37% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2005 - patamar considerado insustentável para uma economia que precisa crescer, como a brasileira - a Receita passou a ser identificada pela 'sanha' arrecadatória. Essa fama se dissemina na população, mas isso não intimida o secretário. Para ele, o papel do Fisco é esse mesmo, 'ser duro'.

A seguir os principais trechos da entrevista.

Os sucessivos aumentos da carga tributária colocam a Receita na berlinda. Isso não incomoda?

A Receita cumpre a lei e não cobra nem mais nem menos impostos. A discussão sobre a carga tributária é muito emocional. Houve uma arrecadação maior entre 2004 e 2005 porque houve uma elevação dos tributos incidentes sobre o lucro das empresas. As empresas tiveram maior lucratividade, seguramente porque o ambiente de negócios melhorou. Nós tivemos crescimento econômico e nenhum aumento de carga nos últimos anos. O que está havendo é que mais contribuintes estão pagando impostos, por exemplo, com o maior número de pessoas com emprego formal. E também é inconteste o fato de que houve um aumento da eficiência da administração tributária.

É possível discriminar o que é aumento de arrecadação do que é eficiência administrativa?

Em lugar nenhum do mundo há essa fórmula. A administração tributária é como um bilheteiro do cinema. Se o dono do cinema resolve tirar o bilheteiro, eu garanto que a arrecadação cai. Até pelo fator cultural. O bilheteiro está ali para verificar o cumprimento das normas. O aumento do grau de eficiência é o espaço cada vez menor para o usuário entrar no cinema sem passar pelo bilheteiro. Antigamente, o usuário entrava e o bilheteiro não conseguia segurar. Hoje, o custo é muito alto para ele subir o muro, quebrar uma parede. Ele vai se machucar.

Mas como comprovar que parte do aumento da carga tributária é resultado da eficiência do órgão?

Posso dar dois exemplos. A mudança na forma de cobrança dos tributos das empresas prestadoras de serviços para órgãos públicos, que agora estão retendo na fonte, garantiu um aumento da arrecadação de R$ 2 bilhões para R$ 12 bilhões em 2005. Aquele que não pagava o imposto e participava irregularmente de uma concorrência não tem saída: ou está pagando ou está fora do mercado. Outro exemplo é o aumento da arrecadação do setor de fabricação de cervejas e chopes com a instalação de medidores de vazão. A cobrança de multas nesse setor passaram de R$ 4,35 bilhões, em 2004, para R$ 8,96 bilhões, no ano passado.

Qual é o papel da Receita nas decisões de desoneração?

Tomar a decisão no momento em que tem a garantia de que o aumento da arrecadação não é apenas uma bolha, mas sim um ganho permanente.

O governo tem, de fato, uma estratégia para o corte de tributos?

É óbvio. A nossa preocupação é que, devido às medidas adotadas, é o momento de fazermos um processo seletivo e qualificado das desonerações. Nós atingimos um patamar de carga, adotamos medidas de ajuste e de redução de impostos. Agora chegou o momento de darmos uma parada para verificar o comportamento da arrecadação. Se erramos ou não na avaliação. Se deveríamos ter reduzido mais ou menos determinado imposto. Era para reduzir menos e fizemos mais?

Qual a preocupação?

Se a receita ficar abaixo dos gastos, nós quebramos o País. É uma preocupação do governo repensar os gastos.

A Secretaria teme perder receita, mas o que se observa é que, apesar das desonerações, há aumento na arrecadação.

Dê um crédito à eficiência administrativa e ao aumento dos controles.

O governo pode adotar um corte geral das alíquotas do PIS/Cofins?

Neste momento, não. Eu estou dizendo que, agora, é hora de a Receita avaliar os efeitos das desonerações sobre a arrecadação. Será que a perda é de R$ 19 bilhões ou de R$ 30 bilhões?

Qual é a dificuldade?

Precisamos de um tempo. Temos que avaliar qual será o impacto da Lei Geral das Microempresas, que ainda depende de votação pelo Senado. A nova legislação afeta 98% das empresas, um universo de 2,5 milhões de empresas. No momento certo, poderemos retomar a desoneração. Nós trabalhamos com vários cenários.

Por que a Receita não divulga esses cenários?

Eu tenho que ter absoluta segurança de quanto vamos arrecadar, porque senão nós quebramos o País.

Em alguma vez a Receita teve a iniciativa de reduzir a tributação?

Nós recebemos diversos pleitos.

Como o sr. define a política tributária? Vamos desonerar ou cobrar mais imposto?

Vamos cobrar mais imposto para cobrir gastos ou vamos desonerar e cortar os gastos? Política tributária está dentro do contexto da política fiscal e econômica.

A Receita exercita seu poder de veto nas discussões sobre desoneração?

A Receita influencia nas decisões, especialmente se a medida vai desorganizar outros segmentos. Nós falamos não quando a maioria das propostas apresentadas gera problemas de distorções econômicas, evasão tributária e concorrência desleal.

É a sanha (fúria) arrecadatória?

Eu volto para o papel da Receita. Temos que ser duros. Se baixar as despesas, baixamos os tributos. A nossa preocupação é com o equilíbrio fiscal.

Como é possível acelerar a desoneração?

Evidentemente, melhorando a qualidade dos gastos é um dos caminhos. É a solução mais efetiva.