Título: Inclusão digital vai além do acesso
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2006, Economia, p. B11

Rodrigo Bering Fabrício, de 22 anos, participou de um projeto para identificar, com coordenadas geográficas, os elementos que compõem a rede de distribuição de gás de Curitiba, num mapa eletrônico. 'Antes, eles usavam mapas de papel, o que dava muito trabalho na hora de fazer manutenção', explica. 'A gente recebeu um desenho digital e colocou todas as informações com coordenadas corretas no Autocad (programa de computador para desenho técnico). Cada válvula, por exemplo, foi registrada num banco de dados. Eles passaram a ter um mapa inteligente.'

Rodrigo faz parte da Cooperativa de Logística Urbana (Cooplurb), em que jovens do Jardim São Luiz, na zona sul de São Paulo, trabalham em projetos de georreferenciamento. A cooperativa foi criada por Cleodon Silva, de 56 anos, ex-metalúrgico que militou por 20 anos no movimento sindical em São Paulo. A Cooplurb tem uma proposta diferente de inclusão digital, em que, além de aprender a mexer com o computador, o jovem aprende a aplicar esse conhecimento em uma atividade prática, capaz de gerar renda.

O acesso à internet começa a aumentar na periferia dos grandes centros. Segundo pesquisa da IT Data, feita para a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), 835 mil brasileiros compraram seu primeiro micro entre janeiro e junho deste ano. O número de pessoas com acesso à internet em casa subiu de 18,9 milhões em 2005 para 21,2 milhões em agosto deste ano, de acordo com o Ibope NetRatings.

O computador se tornou mais acessível por fatores como redução de impostos e câmbio favorável. 'Em qualquer grupo de jovens aqui, pelo menos metade acessa a internet', afirma Maria de Fátima Gomes Rodrigues, de 23 anos, que faz parte da Cooplurb. 'Se não tem computador em casa, acessa na casa de um amigo, de um parente, na escola ou num telecentro. Todo mundo, mesmo na periferia, tem e-mail e tem Orkut.'

Por isso, são importantes esses projetos de inclusão digital. O Cooplurb é só um exemplo. Outro é a Eletrocooperativa, que ensina tecnologia e música no Pelourinho, em Salvador. 'A proposta é humanizar a inclusão digital', explica Reinaldo Pamponet, de 34 anos, fundador da Eletrocooperativa e ex-executivo da Microsoft. Em três anos, já passaram pela organização não-governamental (ONG) mais de 500 jovens. A Eletrocooperativa produziu oito CDs e tem mais 10 em fase de produção.

Semana passada, a Eletrocooperativa fechou um acordo com o Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), da Universidade de São Paulo (USP). A tecnologia desenvolvida pelos incubados do Cietec será empregada no site da ONG. 'A ligação entre o Pelourinho e a USP é no mínimo interessante', destaca Pamponet. 'Queremos montar uma ferramenta de difusão de música que seja competitiva mundialmente.'

A indústria fonográfica passa por um momento de ruptura, causado pelas tecnologias digitais. Segundo pesquisa da Ipsos Insight, feita para a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), 2,9 milhões de brasileiros baixaram, de forma ilegal, 1,1 bilhão de canções da internet no ano passado.

Além do problema da pirataria, a digitalização criou um novo modelo de negócios. Em fevereiro, o iTunes, site da Apple, comemorou a venda de 1 bilhão de canções digitais. A Microsoft apresentou, semana passada, o Zune, tocador de música digital concorrente do iPod, da Apple. O MySpace, da News Corp., decidiu permitir a venda de canções por meio do site. 'Nesse cenário, como fica a música de raiz, como os blocos afro da Bahia?', questiona o fundador da Eletrocooperativa.

Jorgeilton Purificação, de 22 anos, participou da primeira turma da Eletrocooperativa, há 3 anos. Vindo do bloco Cortejo Afro, ele agora grava bases usadas por outros músicos do projeto. 'O que a gente aprende na Eletro não é apenas para quem quer viver de música, mas serve para qualquer coisa que exija informática', explica. Há um ano e meio ele dá aulas particulares de informática, na vizinhança.

As músicas produzidas na Eletrocooperativa são licenciadas em Creative Commons. 'Existem três modelos de licença, mas 90% dos artistas liberam cópias para fins não comerciais', explica Pamponet. 'Com as faixas na internet, fica mais fácil fazer contato para shows', diz Jorgeilton.

SOLUÇÃO

'Os jovens precisam ser vistos como solução, não como problema', afirma Cleodon Silva, da Cooplurb. A cooperativa nasceu do trabalho que ele começou a desenvolver no Instituto Lidas, que trabalhava com saúdo do trabalho, ainda em 1988. 'Criamos um programa ainda em Clipper (linguagem de programação pré-Windows), que espacializava as informações sobre hospitais públicos e postos de saúde na cidade de São Paulo', explica Silva.

A partir daí surgiu a idéia de se trabalhar com georreferenciamento. O primeiro projeto foi com um grupo de jovens em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Em 1999, Silva fechou um acordo com a Casa dos Meninos, ONG do Jardim São Luiz. O objetivo da Cooplurb é que os jovens levantem informações ao redor de suas casas, formando bancos de dados que depois podem ser vendidas a empresas e governo.

Com apoio da Fundação Banco do Brasil, a abrangência deve ser ampliada de 30 para 120 jovens. 'Queremos formar jovens qualificados e donos dos meios de produção', afirma Silva. No caso, os meio são um computador com banda larga.